É agora (?)
a cara amassada que vejo no espelho
é um rosto exausto em que não me espelho
mas que me controla desde a primeira manhã.
me contorço e espremo tentando explicar
o cansaço desses olhos que não gosto de olhar
e não vejo obra ou coisa, salutar ou vã.
vejo escombros de brinquedos.
vejo unhas e cirandas e um riso enforcado.
vejo uma luta feia de improviso,
sem jeito, quase envergonhada,
coisa de quem não admite que tudo o que fez
não era nem perto do que queria ter alcançado.
encarar o passado sem temor e ouvir
as promessas de um brilhante e dourado porvir
faz doer e sangrar, e a gente foge e reluta
ao ver que o sol de antes lambia o céu e brilhava
e tudo era bom e certo, e como a gente gostava
de matar o tempo, de refletir sobre nada,
de simplesmente deixar tudo acontecer.
urgência, segundos, linhas, números,
telefone, fumaça, álcool, borracha,
um comprimido para conseguir dormir,
um choro escondido porque deixou de sonhar
e aquela velha sensação de que as coisas mudaram,
de que o bom e o certo nos foram tirados,
mas que fazem graça e apontam e riem,
zombando da gente porque não podemos ter
aquela certeza infantil que matava dragões.
ninguém disse que seria fácil
mas não precisava ser ruim.