Alambrado

Sinto esse sol alienado,

essas palavras esgotadas…

Somos sobreviventes nesse deserto humano,

buscando as migalhas da manhã.

Voltamos fracassados,

estamos áridos de palavras,

nossos olhos perderam o entusiasmo

e nossas mãos perderam o toque.

Estamos cansados de lutar,

de espancar nossas próprias sombras,

estamos voltando...

sem lágrimas para chorar,

sem motivo para sorrir,

sem sentido para continuar.

O que sobrou?

Sobrou a profunda descrença

nesse sistema de manipulação,

sobrou a amargura das ofensas

e a tristeza de olhar em volta

e ver nossos companheiros que se foram,

e ouvir suas vozes e risos

ecoando como fantasmas nessa sala vazia.

Falta algo dentro de nós,

nossa alma nos foi tirada,

nossa voz nos foi tirada...

estamos áridos como o deserto,

sentindo o vento bater seco em nosso rosto,

e os passos imaginários no corredor,

como era no começo.

Nossa mente já não é a mesma,

nossa vida já não é a mesma,

nem nós mesmos somos os mesmos.

Estamos cansados de ser fantoches,

encenando a tragédia da vida real,

que mais parece um pesadelo sem fim.

Estamos cansados de engolir lixo,

estamos cansados de anestesia social,

estamos cansados de ver absurdo

através dos olhos cegos da justiça.

Estamos cansados de ser fantoches,

de acreditar em uma lei

que não resolve nada pra ninguém,

alienados de nós mesmos,

de boca aberta engolindo sapo,

de braços cruzados tentando alcançar alguma coisa.

Estamos secos de palavras

e até de pensamentos;

estamos loucos correndo de um lado para outro,

desviando os olhos pra não ver a realidade,

que é árida como nossas bocas.

E já não temos certeza de mais nada,

e já não sabemos nem de nós,

e nem queremos mais nada,

porque estamos totalmente confusos,

totalmente perdidos esperando por um milagre

que nos salve desse labirinto indecifrável.

Talvez... nem estamos.