Paradoxo
De repente as vidraças se quebram,
o vento abre as portas,
as luzes se apagam…
um grito no escuro,
um relâmpago ilumina
uma faca apontada para a vítima,
um beijo através da janela...
Paradoxo.
A chuva desaba em arrasadora tempestade,
os cães latem,
um raio parte a pequena árvore da praça,
a violência está livre,
o amor está livre;
quem irá predominar?
O sangue na enxurrada,
o bandido entra no bar;
os vidros na calçada,
a casa mal assombrada;
a faca agora se desespera,
a vítima tenta gritar,
o sangue escorre;
o beijo se torna ardente
e as almas se encontram no toque das mãos;
apartamentos vizinhos,
vizinhos distantes,
mistério que perturba a noite escura.
Um gato preto mia no muro quebrado,
seus olhos verdes anunciam a noite sombria,
a turbulência é geral,
e o coveiro toma seu café com um nó na garganta.
Na casa de janelas grandes,
os castiçais surgem macabros
anunciando o último jantar;
enquanto o beco abriga os rostos sujos
e os corpos trêmulos,
ainda que acostumados, rejeitados...
Paradoxo.
A criança se esconde aflita
com medo do escuro...
nada tem a temer,
a não ser o corpo ainda quente
que pinga o sangue da ganância desmedida.
E as roupas caem rasgadas,
e os olhos se fecham no beijo eterno,
e os corpos se tocam na plenitude
para desmanchar a alma em pétalas vermelhas.
O amor ou o ódio.
O relâmpago ilumina e revela,
ninguém vê, ninguém se importa...
A porta bate,
o bar se fecha,
o bandido corre.
Os mendigos dormem,
a criança dorme,
o coveiro não dorme...
O jantar se acaba,
o corpo esfria,
os amantes se separam.
O gato se esconde,
a tempestade cessa,
as luzes se acendem.
Tudo parece normal,
enquanto a noite descansa na rede da varanda.
O desespero se mantém em alerta,
a morte se finge de morta,
o assassino olha pela janela
com olhos malignos e mãos sangrentas,
um cachorro late,
tudo parece normal,
meus dedos estão gelados,
meu café esfriou na mesa,
ainda há sangue na calçada,
ainda há vidros no meu quarto,
e eu termino minha poesia.