PRINCÍPIO E PRECIPÍCIO

De onde partiu o golpe que partiu meu coração

partiu também a flecha reta que me faz compor por linhas curvas.

Cansei-me de vaguear por águas turvas.

Dentro de ti aprendi, deusa da fertilidade,

a navegar e a fundear nas bacias floridas de tua alma casta e me fizeste estreme.

Com asas coloridas por entre tuas flores aprendi a voar e a fecundar;

a fecundar e a voar, em nome do vento e da multiplicação.

Foi dentro de ti, celeiro de virtudes robustas,

que encontrei, de olhos fechados, a retidão.

E não queiram agora me apartar de minhas convicções,

elas me acompanham desde os tempos de borboleta razoável.

(O fim dos princípios é o princípio do fim;

abismo de onde só volta quem tiver asas arco-irisadas.)

Quero, pois, viver a beleza imortal do presente, afortunado que sou,

e desatar-me de um passado duramente gravado no anel de compromisso

como obra de arte - natureza morta emoldurada de saudades -

cuja utilidade única é a de ficar exposta no museu do inalterável.

Queria tanto te deixar um presente, em forma de poesia fecunda.

Não a poesia ordinária que ando fazendo,

feita de palavras, de métricas, de rimas, de regras tantas...

Mas uma poesia feita de gestos onde o olhar se adentra pela alma afora

perfura as blindagens e desperta o inusitado.

(A expressão de um olhar apaixonado

é mais bela e profunda do que qualquer poesia escrita.)

Essa é a poesia que quero te deixar. O meu olhar belo e profundo,

capaz de conferir asas coloridas a quem quiser escapulir de abismos.

Mas como ando cego e acanhado

não serei capaz de compor a poesia de meu amor.