MANHÃ DE UM CORAÇÃO SONHADOR

PARTE I

A hora crepuscular se descortina,
nos anéis de fria madrugada,
a expandir clarões que iluminam,
as curvas escabrosas desta estrada
e tudo me parece de repente,
prenúncio de uma encantadora aurora,
o sol há de surgir lá na nascente
e o véu da escuridão irá se embora.
Prenúncio de um dia que contemplo,
dourado já se acha o infinito,
porém, sai dos meus lábios um lamento
e do meu pobre peito um mudo grito.
Meu céu bem salpicado de estrelas,
dos sonhos maviosos de donzela,
grinalda de minha alma quis fazê-la,
fiz manto de penumbra e de procela.
Manhãs ensolaradas e floridas,
expostas provocantes à minha vista,
eu louca de paixão tão desmedida,
só tendo um enlevo, uma conquista.
Nos brincos do luar que a noite oferta,
à terra soluçante de águas mansas,
o ébrio coração terno desperta,
endoidecido apenas de esperança.
No íntimo ingênuo de menina,
na alma quase pura e sem malícia,
alguma sementinha que germina
e clama aos céus um pouco de carícias.
Manhãs límpidas, claras, mundo afora,
na estrada de outros jovens sonhadores,
enquanto o meu olhar tristonho chora
ao ver o espetáculo de amores,
são beijos, são afagos, são as juras,
silêncio quando fala o coração
e eu na minha triste desventura,
sem sol, a suspirar sem ilusão.
 
PARTE II

Prenúncio de manhã que nunca raia,
no firmamento afrouxa-se o clarão,
a barra avermelhada se desmaia,
por vezes vejo plena escuridão.
As flechas duma noite misteriosa,
ameaçam sem piedade minha sorte
e quantas vezes fico duvidosa,
se não estou provando o fel da morte.
Da morte de um sonho longo e belo,
que fiz cheio de cúpulas douradas,
moldando um esplêndido castelo,
na areia movediça desta estrada
e enquanto meus pés leves, pequenos,
avançam na alameda do amor,
as gotas tão cruéis de um veneno,
deformam o sonhar de um sonhador.

PARTE III

Prenúncio, alvorada de um dia,
que nega o despontar do sol luzente
e a noite com tamanha ironia,
se mostra arrogante e sorridente
e as asas da tristeza se deslizam,
cobrindo um amante coração,
ainda a soturna poetisa,
traduz nos versos seus sua aflição.
Revendo as linhas tortas que ficaram,
no quadro que retrata o seu viver,
feridas que ainda não cicatrizaram,
são lentes que agigantam seu sofrer.
As cruas frustrações então presentes,
fizeram desse ego sonhador,
um ser tão fracassado e doente,
alguém quase descrente do amor.
 
PARTE IV
 
Oh! rochas alicerces de meus sonhos,
muralhas colossais da ilusão,
não deixem que este vendaval medonho,
arrebatem meu sofrido coração.
Não quero que a friagem desta noite
congele as artérias deste peito,
não quero que o sucessivo açoite
me faça endurecida de despeito.
A realidade frívola e cortante
anula o sonhar da juventude,
espero que jamais chegue o instante
que as trevas tenham negra plenitude.
Enquanto houver prenúncio de manhã,
enquanto houver lume nas alturas,
estarei debruçada no divã
dos sonhos maviosos de ventura.
 
PARTE V
 
Oh! notas musicais desta saudade,
que soam nos lamentos e suspiros,
buscai-me do além felicidade,
trazei-me tudo aquilo que aspiro...
O astro que não surge no horizonte
é o ser a quem amo loucamente,
por isso trago baixa a minha fronte,
por isso minha noite é permanente.
Se os ecos alarmantes ressoassem
no interior daquele que não vem
e as fibras de seu peito se abrasassem,
no anseio de aspirar por mim também.
Veria afugentada toda a sombra,
veria o meu dia despontar
e toda esta penumbra que me assombra
no cofre do passado iria ficar.
 
PARTE VI
 
Oh! partículas sublimes que incendeiam
esta alma já vergada de tortura,
porque suas potências não desenfreiam,
nos ombros da dileta criatura...
Pujança deste nobre sentimento,
que abrigo no meu peito sofredor,
porque não se funde num momento,
na fusão dum só foco de amor.
 
PARTE VII
 
Oh! figuras que compõe a fantasia,
do meu mundo descoberto só pra mim,
buscai-me personagens da alegria,
pra que este meu abismo tenha fim.
Quando enfim vir o palco desta vida,
sem palhaços mascarados de tristeza,
sem serpentes venenosas estendidas
e nem urtigas atacando com vileza.
Sem espinhos espalhados friamente
e nem orvalho de um pranto dolorido,
Sem um terço de feridas simplesmente
e nem um príncipe de pedra esculpido.
Mas um príncipe coroado de doçura,
que levanta-se expandindo o seu amor,
pondo um fim na fantástica procura,
da manhã de um coração sonhador.

escrita em 03.06.1974 - contém 124 versos

Miguel obrigada pela bela interação


Como é doce de ler seus longos versos,
Já maduros pelo tempo de compostos,
Atuais pelo espírito em progresso,
De uma jovem sonhadora e destemida,
Que enfrentou dos invernos suas trevas,
Dos verões apreciou o por do sol,
Aprendeu que a vida é uma escola,
Mas que nem sempre se tira a nota que nos aprova,
Reconhece o poder do universo,
E se entrega ao criador como esmola,
Para que aponte o caminho desejado,
E lhe oferte o príncipe que lhe consola.
                                (Miguel Jacó)


(imagem do google)