QUANDO CHEGA O CHEIRO DA UVA

Com o final do ano chegam à minha cidade

as barraquinhas onde se vende uva em caixas de madeira.

Elas se proliferam nas esquinas. Nas encruzilhadas.

Nas ruas estreitas. Nas ruas largas.

Nas estradas. Nos becos sem saídas.

Há na minha cidade sítios onde mãos rudes

na iminente chegada do Natal,

santamente se aveludam para a colheita da uva.

(É um ritual onde veludos se abençoam;

o da mão do viticultor

e o da pele do fruto maduro.)

Minha cidade é a terra da uva;

Uva Niágara -

rosada, branca.

Uvas de mesa.

Minha cidade é terra de uvas e de mesas.

Quando a uva por aqui chega

chega também a chuva.

Chuva de fim de tarde. Chuva fina.

Chuva de verão. Tempestuosa.

Chuva de granizo. Chuva granítica.

Tem chuva que a uva gosta, porque acaricia.

Tem chuva que a uva não gosta, porque machuca.

Minha terra é terra de uva no final do ano.

Minha terra é terra de chuva no final do ano.

E quando as uvas passam e as barraquinhas se vão,

pode-se ver por toda a cidade

flores brancas e dóceis,

pequeninas como um olhar

ternas como um perdão;

e minha cidade hospeda em suas ruas poesias órfãs.

Minha terra é terra de flor o ano todo,

de poesia dentro de mim desde sempre.

E é por isso que a lua,

tão distante, tão fria, tão pálida

vez por outra se despenca do céu

enfeita-se de flores

e se embebeda de vinho

nas noites chuvosas de minha cidade.

O alto falante do serviço de som da quermesse,

onde acontece a Festa Italiana

anuncia que o desvio de conduta não será tolerado.

E não será mesmo.

É nessa ocasião que a lua se parteja toda

em poesias rubras. Em poesias prateadas.