FINAÇÃO - POEMA 119

LIDO COM A POESIA, FINANDO.

NELA VOU MORRENDO AOS POUCOS.

SOU POETA E NÃO PEDRA CONDENADA AO ETERNO.

JÁ VEJO A MORTALHA QUE LISBOA ME PREPARA!

TEM OS TONS VERDES DOS OLIVAIS.

O AZUL DO MAR INDECISO E DO MAR FALIDO.

AS CANÇÕES DO IMPERIDO RESSENTIDO.

DEUS QUE FOI E NÃO É MAIS.

NÃO BUSCO MAIS NINGUÉM NESTA PARTIDA.

ACENO A TODAS AS NOIVAS IMAGINÁRIAS.

ACENO A BANDEIRA DA MINHA PÁTRIA.

COM AS MEIAS QUE TIREI DO MEU SAPATO.

TUDO É A GRANDE ILUSÃO DA VIDA.

O CIRCO ARMADO NAS ÁGUAS DO MAR.

NÃO CABE-ME CHORAR E AUMENTAR AS ÁGUAS...

ATIRO AS MÁGOAS AOS BONDES.....

ELES A LEVARÃO PARA LONGE DO MEU ENDEREÇO.

MEU CORPO SEM FORÇAS, NÃO O SEGUIRÁ.

O BONDE CUMPRIRÁ O SEU TRAJETO.

NADA SE MODIFICARÁ NO MUNDO PELA MINHA MORTE.

NO DESENCANTO, JÁ ESTOU SÓ NA PEDRA

A PEDRA BUSCA-ME NO MAR DE ESTANHO E FERRO

E O MAR SE AFASTA COM SUAS VELAS

COM SEUS CAIS E SEUS FANTASMAS

INÚTILMENTE, NADA MAIS SOU

O MAR CONTINUARÁ SENDO.

POUCOS SABEM DISSO

HÁ UM ARCO-IRIS TAMBÉM NA DECOMPOSIÇÃO DAS CORES

DELE APROXIMO-ME , IMPONHO E ROGO

QUE DEVOLVA AO MENOS MEUS SONHOS

A MINHA PRÓXIMA PARADA É DIFICIL

SALTAREI DO COTIDIANO PARA UM ALÉM

ONDE MINHAS CORES SE MODIFICARÃO

DE VERDE, ROXO, AZUL , PRETO

EU JÁ LHE FALEI DO ARCO-IRIS.

AGORA, ESTOU SÓ NA PEDRA E BUSCO O OCULTO

NOVAS COMPANHIAS DE CARNES IMORTAIS

NÃO QUERO NOTICIAS TUAS

NÃO SEI O TEU ENDEREÇO

MANDO-TE UM CARTÃO POSTAL

NÃO AGONIZANTE

QUALQUER FIM A TODOS É SEMPRE ESTRANHO

AVES VOAM EM CIRCULOS DECOMPOSTOS

GAIVOTAS DE VIDROS SORRIEM

EU NÃO MORRI, APENAS APDRECI. SEI DISSO

MAS NÃO PODEREI IMPEDIR

QUE AMANHÃ OS JORNAIS DO MUNDO GRITEM.

FINAÇÃO. FERNANDO PESSOA MORREU

1935

MAURICIO DE AZEVEDO

METEMPSICOSES - A ALMA DE FERNANDO PESSOA