NASCIMENTO
Recobertas com pedras assimétricas
as ruas parecem guardar com precisão
a alma generosa das gentes
e a alma enigmática da cidade
onde a vida se transforma minuciosa
e as vertentes se põem à mostra
nos rejuntes graves das rochas,
guiando os passos incontáveis
a alisar as superfícies de um caminho
forjado a tempo e passagens.
Eles nunca são os mesmos,
mas deixam rastros invisíveis
nas entranhas do solo pétreo
e no polimento de suas faces.
Uma cidade é um canto
dentro de sua gente
e sua gente é vento
que carrega o canto
pelo mundo todo,
em alto e bom som,
ainda que pese a dissonância
de quem a quer demolida
e reconstruída em três dias.
Uma cidade é um canto do mundo
e o mundo de sua gente.
Um dia o asfalto vai cobrir,
contra vossa vontade,
as pedras indefesas de vossa memória,
e dentro delas manterá lacrada
a história de toda gente,
no instante em que a cidade,
embrulhada para presente,
se entristecerá de esquecimentos
e as almas se perderão no limbo da ignorância.