PURGATÓRIO
 
Lílian Maial

 
 
Nada mais a fazer.
A pedra cravada no seio
e tudo jaz na ribanceira da palavra.
 
Por tantas vezes nos perdemos
e outras tantas já nos juramos,
que a vergonha se escondeu em rubor.
 
Deixemos de lado as reverências,
esqueçamos as boas maneiras e as gentilezas,
larguemos a polidez que o amor dispensa.
 
No fundo, o ranço magoando o peito,
a máscara ferindo a pele da verdade
e uma represa de sentimentos
rompendo o limite do suportável.
 
Vai! Sai de mim e do meu sono!
Foge para bem longe das retinas,
que o amargor marca as horas,
se pouco falta para me desconhecer!
 
Não, já não há como encarar o dia
e as noites acolhem um silêncio inquisidor.
Sem despertar do pesadelo,
o que resta é a certeza do engano.
 
Injusto a dor do presente
ser preço de ventura do passado.
Não é bondosa a cegueira da paixão.
Ao contrário, é fria e cruel,
traiçoeira mãe que envenena os filhos.
 
Nada a fazer.
O peito arde dilacerado
e derrama um sangue corrosivo,
que consome as possibilidades do verbo.
Fantasma em vida, arrastando correntes de desespero,
no inconformado purgatório de saudade.

 
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