Poeta bom é poeta morto

O poeta não presta, escreve de viés, diz o que não se vê, o que não podia, desvenda, desvela, revela a flor ainda no broto, a borboleta antes do casulo, mexe no vespeiro, dedo na ferida, não respeita cânones, escreve como lhe convém, o que lhe vem, fere e se fere com caco vidro, caminha no fio da navalha, tem filosofias estranhas, ou nenhuma, nada ganha e perde horas no teclado, por isso não presta, pois não capitula, trabalha em cartório, em escritório, na redação, queria de cada letra uma canção, mas contenta-se com pouco, engaveta, revisa, imagina-a na estante e se cala.

O poeta, por isso e por outras, não merece reconhecimento, ele não vale nada, ninguém lhe dá valor, não lhe compra, não lhe oferece nem propina, um lugar na repartição – como Drummond. Poeta bom é poeta morto, erudito, inacessível, cultuado na roda mais restrita, aquele que mora na torre de marfim, nos Jardins de São Paulo, que escreve na Folha, é parceiro de Caetano. Poeta bom é poeta com mais de 80, calejado, enrrugado, festejado, premiado, repetido e reeditado, antigo, não recebe mais direito autoral. Poeta bom é poeta morto.