CACTO
Inúmeras secas
Enchentes venenosas
Fecharam cidades
Abriram feridas
Doloridas como fogo
Que nenhum rio
A chama do coração apaga
Uma enxurrada de dor
Expulsaram da face o riso
Ontem esperança e fartura
Hoje, do sertão nada mais é
Do que feto sem criatura
Sem traços de vida, nem caricatura
Esta própria ridícula de comovente
Mas ainda resta, portanto, uma rosa exalando
Um perfume louco, assim como se suas pétalas
Tivessem sido arrancadas de alguma roseira nuclear
E tragicamente marcasse o fim de toda esta história
De heroísmo estúpido de patriota sem pátria
Ao canto do poente a multidão se recolhe
Como em oração, sendo o silêncio tão forte
Impossível de guardar na alma
Sem que a vida retorne canção
O cacto talvez seja a última lembrança
À cada poente, em cada pensamento de que
No agreste houve gente, devorada pelo tempo
Reunida agora em cantigas de sofrimento.