ESCRITURA DE NASCIMENTO

O universo dos medos traduz a posição fetal.

Não se brinca mais com a couraça dos anos

ou ainda se pode jogar bolinha-de-gude?

A raia que desenho circunscreve esse universo.

A casa que construo

– pedra a pedra – esgorja o espírito

e é de súplicas que os convivas vivem.

De mim próprio, de minha cara

raiada por trajetórias

o senhor Tempo escarva feito um lobo.

Sem trajeto definido, uivo a veste

com a qual me visto

seduzindo alegrias resguardadas.

Se as furtei não foram para mim

apenas registro de passagens.

O universo dos medos traduz a posição fetal.

Dorme uma criança órfã.

Insisto como um cão sarnoso

sacudindo o rabo e pedindo dono...

A casa que ergo, pedra a pedra,

terá o nome dos convivas

e todos apagarão luzeiros

no bolo de aniversário.

A escritura feita cintila e trapaceia:

cada ponto e vírgula é um “pai!”

perdido na garganta.

– Do livro O POÇO DAS ALMAS. Pelotas: Universidade Federal, 2000, p. 76:7. Poema reformado.