CIGARRAS
Cantam cigarras em alarido
Cantam os machos
Tanto zumbido
Cantam cigarras
Ai, meu ouvido
Devoradoras da natureza
Ensurdece seu trinar
Destroem lavouras
Mais que tesouras
Mais que serras
Motoniveladoras
Oh, insetos de dúbia vida
Alimento de predadores
Que encontram em suas transparentes asas
Deliciosos sabores
Mas enquanto ninfas vivas
Cantam felizes
Cavam nas raízes
Profundas cicatrizes
Canta, cigarra
Canta, amiga
Mesmo que incomode tua cantiga
***************************Eu não busquei inspiração no pema a seguir, mas sim, no canto da cigarra no quintal de minha casa. Entretanto, para divulgar Literatura , incluo como ilustração a esta página:
A CIGARRA E A FORMIGA (poema de Olegário Mariano, o "Príncipe dos poetas brasileiros".
Dona Formiga, nesta redondeza
Rústica e solitária,
É tida
Como três vezes milionária,
Possuidora de esplêndida riqueza
Que levou a juntar durante toda a vida.
Acostumou-se desde criança à luta,
Ao sol de fogo e à aventura brava.
Vivia a trabalhar heróica e resoluta
Armazenando tudo o que ganhava.
Hoje está bem, mas é geralmente malquista.
Faltam-lhe uns poucos sentimentos nobres.
É em demasia egoísta
E odeia as raparigas que são pobres.
Dona Cigarra, por exemplo, alheia
A tudo, vive como pode, à toa...
Canta os dias a fio...
Tem a garganta quase sempre cheia
E quase sempre o estômago vazio...
Entretanto, coitada! É humilde e boa.
Chega a passar misérias, mas que importa?
Só quer que a sua vida não se acabe.
Anda de porta em porta...
Se não trabalha, é só porque não sabe.
Entregou-se de vez à vida airada e quando
Se lhe fala em riqueza,
Ela responde, trêfega, cantando
Que o seu grande tesouro é a Natureza.
Ora, um dia... (chegara o inverno) a pobre
Foi ter à casa verde da vizinha
E apelou humilhada,
Para o seu grande sentimento nobre:
— “Mate-me a fome cruel que me espezinha,
quero pão e mais nada.”
Mas a irônica amiga,
Impassível, britânica, solene,
Falou assim:
— “Sou a mesma Formiga
De que falava o velho La Fontaine,
Nada esperes de mim. “
— “Tu, que fizeste na estação ardente
Quando me extenuava, estrada fora?”
— “Eu cantava” — responde-lhe a inocente.
— “Ah! Cantavas? Pois canta e dança agora!”
Deus que ouvira, entretanto,
Sentenciou da alta abóbada vazia:
Canta, Cigarra, canta que o teu canto
Será teu pão de cada dia.
Esta leda bizarra
Que o tempo não consome,
Vem aos poetas provar
Que a Cigarra
Nunca mais morreu de fome...
Morre agora é de cantar.