POESIA TRÁGICA - (Impressões da prisão)
Satanás, vá com Deus
Eliezer Soares de Souza
Vá em frente cavaleiro do mal
Terror de ti não me acercou jamais
Também jamais cuidei de afastar-te;
Necessário ao equilíbrio
Já que cuidei teu cínico estandarte
Pois nunca me enojou teu despudor
Nem tua malícia imaculou minha candura
Um a um, cruel, seja o mais que for
Nessa estrada que outrora me era escura,
Me foi dado compreende todos os teus signos
E o teu sorriso não me sorriu como maligno
E no teu jogo vi apenas pedras cruas, não malignas
Agora já farto de enganos
Minha consciência te conhece há tantos anos
E amigavelmente caminhou contigo
Corrupta mas incorruptível
como um
anjo
Um anjo, que por ser anjo é amigo teu
Por isso, Satanás, vá com Deus!
(Cuidado com a fúria de um homem paciente.)
- JOHN DRYDEN -
Meus genes esguichados
Eliezer Soares de Souza
Fiz meu filho dentro da noite
Necessidade psicobiológica de perenidade,
Única fórmula concreta,
Visível procriação e permanência.
Se a noite escoa imensa
E apavora em mim o Deus-amor,
Meus genes esguichados
Duram mais que todos os deuses,
Falam mais que todo amor
E brilham mais que discutíveis fantasias
Lá onde vai o escuro eterno,
Lá onde nem beira meu pensamento;
Irei invejável contigo,
Desafiando a noite.
(O Deus dos cães é tão impiedoso como o Deus dos homens.)
- LÊDO IVO -
“QUE A MORTE SÓ VENHA QUANDO EU ESTIVER ESVAZIADO DE MIM MESMO”
- LÊDO IVO -
(O homem é o único animal que tropeça duas vezes na mesma pedra.)
- A. M. -
Telma
Eliezer Soares de Souza
Lábios abismados
Feito olhar descomunal
Mãos mais afiadas
Feito beijos torturados
Mais pés tremeluzentes
Feito serpente ao som do sexo
Coxas mais sutis
Feito brisa bronzeada
Coração mais delirado
Feito em sóbrio disfarçado
Cabelos tremulados
Feito vento na invernada
Desassossego de mais caminhos
Muito mais sonhos aliciados
Vida mais vivida
Feito morte mais querida
Muito mais nada
Feito quase tudo
Quase feito tudo
(À memória de Telma – 29/09/1988 – São Carlos-SP)
(A modéstia em homens de talento, é coisa honesta; nos grandes gênios, é hipocrisia.)
- SHOPENHAUER -
Edipiana
Eliezer Soares de Souza
Seus gestos submersos no quarto
E a sombra mortiça na divisão
Havia sempre impressa a figura de um homem,
Na cortina da vida, e roncava,
Mas como toque de alerta
Imagens quase abstratas,
De tão intocáveis, quase impossíveis,
Não fosse a amargura de quatro olhos!
Sua silhueta, eternamente silenciosa
Se apagava, e a rudeza
Requeria seu corpo.
Prensado no ranger das molas
Plantando frutos na sua terra.
Ralas suas mechas, depois de arrancadas
Tantas folhas do calendário
Novelos guardados como relicário,
No banheiro em que me fecho
E te escovo, na memória.
(Nunca vi falar de nenhum valente descendente de pessoas inteiramente imbecis.)
- T. CARLYLE)
Poemor
Eliezer Soares de Souza
Calafrio histérico dos mortais,
- Seja torpe sangue.
Cravejado de estilhaços!
Olhos saltados do crânio esfacelado!
Ver em ti, beleza, oh morte,
Melhor poema feito em vida!
Por trás da tua boca hiante
E do teu beijo gelado e cineral,
Se esconde a paz santificante.
Quanto mais amanheço,
Tanto mais te sinto e te aceito,
Apertado no convite.
*PRIMEIRA VEZ*
Eliezer Soares de Souza
A dor da primeira vez
Seja uma cidade
Seja uma mulher
Seja uma bala
Seja um lugarejo
Seja tão bonita
Seja muito grave
Seja uma metrópole
Seja muito moça
-seja a última vez-
*ESTRELA NEGRA*
(Para Desmond Tutu)
Eliezer Soares de Souza
Estrela negra
De coração sem cor
Hás de imunizar raças,
Contra o vírus dessa histeria Hitlerista.
Tu, ofuscando cem cores
Desmonte esse engano!!!
Eliezer Soares de Souza
Às sombras geladas dos prédios da cidade
Quando ela está só e é domingo,
Sou dois tempos forjando um tempo todo
Por tantos sonhos soterrados
Mas sob a cara fria da verdade,
Faço outra pura e nova adolescência,
E sigo rindo da frieza da cara.
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Eliezer Soares de Souza
Até que em teus olhos,
Naufragou a possibilidade de tudo
Sempre à mercê e presente ao que era
Com vestígios de cinzano e tantas vésperas,
Do que mundano houvera sido,
Nada mais se fará, sem lágrimas
Fechou-se a tampa da rendição
Agora tudo é sem tempo e sem olhos,
E se assemelha ao nascimento
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Eliezer Soares de Souza
Eu era o único homem
Sentado na praça
E ela passou.
A tarde tinha um cheiro de melancolia,
E gosto de uma tarde já vivida,
E aflorou em mim a angústia,
E o estímulo da paisagem urbana
Que me fez sentir saudade das luzes do engenho
Brilhando ao longe no manto negro da noite.
Ela e a tarde.
Ela e a praça.
Ela e a solidão.
Eu não sabia,
Qual delas era a mais bonita.
-Talvez seja por isso que eu nunca mais a vi-
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Eliezer Soares de Souza
Meu cavalo desembestou,
Besta igual um sonho
Pulou o mata-cavalos,
Sem pique para voltar.
Havia uma igrejinha romântica...
Ah, os sinos que ficaram além do mata-cavalos.
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Eliezer Soares de Souza
Não é tempo bom ou ruim,
Lírico ou lúgubre,
Assado ou assim
É só um tempo
Dentro de um sonho
E que se faz necessário.
Eliezer Soares de Souza
*A solidão contêm dezenas de solidões,
Então a lua é apenas uma metáfora,
Cheia de esperança no céu do destino,
Que cresce e mingüa sempre nova.*
PARA MEU FILHO
Eliezer Soares de Souza
Garrancho gritante de suor e medo,
De uma beleza dura e ressabiada,
Sabor dos nossos corpos magnéticos
Em película transparente, feito ramalhete,
Oferenda dócil à gula da vida,
Pela nossa fútil e mesquinha ilusão
Como enfeite submisso e colorido
Se sujo fores rei
Se louco fores lógico
Heranças mútuas
Seremos unicamente
Nem nosso vão e obrigatório amor humano
Te guardará o destino, mas não te torne lágrima,
A loucura lépida da nossa pretensão
Sem fim
JAQUELINE MEIRELLES
Eliezer Soares de Souza
*Vencedora unânime do “I CONCURSO DE POESIAS”, do jornal TERRA DO SAPÉ, de Bariri-SP. Homenagem à ex-miss Brasil.*
Lábios que santificam o pecado
Dos passos cadentes,
Harmonizando protuberâncias
Com reentrâncias.
Olhos de por beleza
Em meus versos duvidosos
Prima, obra rima imã
Romã ou Santa Catarina
Anjo libido silente
Só te ver me é dom,
Bem mais que o meu falar
Embriagada, rende-se,
Minha pretensa sobriedade,
A teus pés estimulantes.
Cardíaco sufoco,
Lícito de-mente.
Huri, sonho, harém
Me bastarias somente
Quinhentas e meia
Noite a despir-se
Ou vestir-se, amém
Divino demônio...
(Do fruto da boca de cada um se fartará o seu ventre; dos renovos dos seus lábios se fartará. A morte e a vida estão no poder da língua; e aquele que a ama comerá do seu fruto.)
- Provérbio 18-20,21-
(DEUS)-QUILOMBO EM REBELDIA
Eliezer Soares de Souza
Deus estuprou todas as palavras
Fez o que bem quis de suas lavras
E dormiu ermo, no seu céu tão confortável
Diminuindo a gente em massa detestável
Carregando a sua messe nas costas do cansado
Para um mundo que Lhe desse mais regaço
Para que, solene e justo castigasse
E nos escravos pecadores se lanhasse
A humanidade eternamente flagelada
Pelas cinzas do inferno condenada
Há de esquecer o gozo merecido
Até que surja o homem arrependido
Disso, dúvidas não tenho e se fadado
Me convertesse em escravo conformado,
Vejo em sonhos um quilombo em rebeldia
Que a noite temerosa, com a lua se lambia
Inda que brilhasse um pensamento muito estranho
Nem por isso me tornaria seu rebanho
Que de passagem seus pastores prepotentes
Exerceriam as funções mais indecentes
Inventando a legião de anjos rebeldes
Constituindo então, zelo inconteste
Permaneceria a reinar por séculos perduráveis
E a humanidade se fervesse em chamas indomáveis
Não deixou nenhuma chance de defesa
Para que o homem cheio de ciência e de beleza
Pudesse desenhar tranqüilo o seu destino
Sem a dor inventada por Deus, do desatino.
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Me parece ser este o último dia
Meu pensamento está escuro
Meu corpo dói
Meu coração dói
Há um descompasso imenso,
Um eco imenso
Um chamado imenso
Para um espírito desolado.
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ELIEZER SOARES DE SOUZA
Deus
Sexo
Amor
Amizade
Fama
Procriação
Armas do homem
-álcool
Vencer o terror do fim
Eu não me importo,
Meu prazer é feito
De cinismo e de uma certa forma de apressar...
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Entre as pedras de todas derrocadas,
Prevaleceu um silêncio de erva,
E ficou tudo sem nome...
ELIEZER SOARES DE SOUZA
A aura iluminada
De um poema inconcebível
Me vestiu de luto.
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ELIEZER SOARES DE SOUZA
E saber que virá um natal
Sem me encontrar
As vozes novas...
As mesmas cantigas...
Uma garrafa esquecida e paciente
Num canto talvez saiba
Que me perdi na estrada
E saudosa de meus lábios
Adivinhará outras bocas
(A desobediência é uma virtude necessária à criatividade.)
-Raul Seixas-
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Que farei do meu pecado
Original, de que originado
Se já nasci miraculado?
Se da loucura nasce arte
A arte vem de Deus
E Deus nasce de mim
Mas eu não sei de onde vim
Nem sei até para quando...
Quando muitos graus ser eternidade,
Tudo será eu
E ternamente viverei.
ELIEZER SOARES DE SOUZA
As vezes escrevo
Tão-sómente
Para preencher folhas,
Sem objetivos claros,
Mas as folhas vão ficando negras,
Absurdamente verdadeiras,
Pesadas de minha mão.
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Deus não existe
Amor não existe
Poesia não existe
Existe o existir
Existe o querer
Existe o sentir
O brilho e as cores dessa rua,
E ilusão tamanha glória
Na garupa possível da vitória
Se encerra a eterna sombra
Assim o meu sentir
Na ânsia medonha de fazer
Para mim, assim a minha dor
E alegria, são como quem atira um alvo,
A ilusão, talvez por isto existo
E o brilho...
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Um dia após o outro
Vejo ruir um edifício
Esclerosado dos ferros longos
De retorcidas ondulações,
Espetam o ar corajosos,
Para o tempo impiedoso
Num desafio macabro e desigual
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Na agonia da iminência
Range a porta e o ar
Descaradamente impossível,
Se arrasta além da fresta
Preso, mas plácido como um lago
Faço face à luz que chega
Esperada mas sem hora
Da casa de mim tão fácil
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Estou cansado
De retomar o fio da conversa
De me mudar de casa
No entanto essa premência de falar
No entanto essa premência de bater as portas
O risco além da comodidade
Por trás e por dentro da porta
Do refúgio, no entanto...
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Por que veio essa saudade?
Tantas luas pastar sobre a infância
Um caminho sem volta
Regido pelo tempo?
Um pêndulo sombrio
Fenecendo a brancura
Na fronteira dos dias?
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Contra o que será
Que trinquei os dentes,
Esses anos todos,
Obsecado na transparência do vitraux
Metabolizando álcool?
(PASTORAL)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Como um poema esperançoso
Arrebanhou meus sonhos todos,
Para teus olhos de verdes extensões;
Febris como o roer dos gafanhotos,
Juntou mais que todos sonhos
Cor dos cabelos ruços das bonecas,
No centro do quintal do corpo
Pulsante, plantação de amor
Frescura de concreto milharal
Pastora, entre as fileiras do real
Guia-me à infinita ilusão
De fuga constante para ti
Como um poema esperançoso.
(QUE VIRE O SOL DEPOIS DE MIM
CINZAS, QUE O VENTO CUIDA
E A PRIMAVERA EXALE A PODRIDÃO DOS SÉCULOS.) – Eliezer Soares de Souza –
*AMÉRICA*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Por terras de além
Sejas tu América
Sem essa retórica
Ingênua, conhecida
A cerca do que tu és,
Derribada, já livre
E teus braços soberanos
Deuses do teu destino
*AVISO PRÉVIO*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Abandono apenso em mim
Esperneia nas sombras
De todo não me comove -talvez-
Os dedos amargos deslizam
Numa inutilidade crônica
De ódio e desprezo,
Quanto mais dispendioso
O amor sibila torturas
Ao vento na tarde
E ao negro
Escancaro ironia
Minha, dente por dente
(SUBTERFÚGIO)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Se me achas louco,
Creio-me poeta
Se me crês poeta
Acho-me louco.
ELIEZER SOARES DE SOUZA
É tanto vomitar
Hepatopatia
Em cada tragada
Crônica
-Corta o fumo-
-Corta o álcool-
Humor variável e repentino,
Que os miseráveis homens de branco,
Solenemente inúteis,
Não engulo
Nem vomito.
À MEU FILHO
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Teu ponto de partida
Não será o meu limite,
Minha estrada continua
Nenhuma herança te dou,
Além do mundo a conquistar,
Nem me tracei em seus olhos,
Que se abrem novos sem me cegar
Te desconheço como me traí
Teus pés são seus e não os quero
O meu amor é ermo e sem amor
Meu Deus é só e sem destino
-O mundo está aí...-
*REMINISCÊNCIAS*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Os galos batiam as horas
Hora de meu pai sair encapuzado,
Tão preto como o cantar fantasmagórico
Meia-noite balia as asas, medonha,
E eu achava que era hora mais escura
Meu medo estranho como meu pai saía
Estranheza de Mãe em busca do que fazer
Sem ter, opção única em meio do sonho
O começo cantava perto,
Mas em minha dês-noção (?) de tudo,
Tardava ainda envolto, o dia
Seria só o regresso da capa preta,
A frieza, o tédio incomensurável
E a grandiloqüência da noite
Um pêndulo sinistro no canto
Do quarto, fascinava com sombras
E nós, convidativos e movediços,
Talvez também contasse o tempo
E tudo mais dormia sem notá-lo
Até apagar-se no escancarar do sol,
No meu fechar de olhos.
(FICHÁRIO)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Pai: João
Mãe: Maria
Endereço: favela
Idade: Não sabida
Grau de Instrução: 0
Emprego: Rouba ou esmola
Cara de garatuja
Barriga vazia
Rapa panela
Desce pra rua
Descalço ligeiro
Prático no ofício
Úmido de cortiço
Sono duro de escadarias
Descanso agitado de trombadas
Diplomado em malícia
-Sina sabida-
*MAÇÃ MENOR*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Amo como
Se tem comida mata a fome
Não como vê
Comove o corpo
Devorador de coração
Digere-se no estômago
Frugal maçã menor
Banquete máximo
À iludida fila.
*MARGINAL*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
A marginal goteja uma noite,
O negrume pesa no cérebro como um passo noturno
Os contornos da grama se insinuam feito sinas de sinuosos problemas
A ponte se estabelece como chumbo na alma sombria
E o desfilar das águas como insondável sangria
O que sofre em mim não é muito,
O que se faz maior é estar de mãos imóveis
O homem na amurada pensa que a vida é sim
A pedra por fim chegará ao fim
Existe uma loucura em cada estratégia de guerra ou de vinho
Eu me chamo um nome ou quero uma coisa
É só uma pretensão medíocre em meio à tanto movimento
Toda meta se contrai frente à última novidade inesperada
Aves de sangue calam para o último canto,
Enquanto transfiguramos veredas
A cidade acolhe tantos tipos, estética mesclada,
Dos becos humilhados à rica artéria
Momento marginal, insiste ao coração, trazer enigmas,
Até que a boca da manhã se abra em cantoria,
Forjando uma desordem suprema
E um possível Deus se decida.
*À MEMÓRIA DE FÁTIMA*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Agora toca ainda lutuosa,
Uma remota noite
Louca, lúbrica e saudosa,
Feito rosas murchas
Ambíguos enfeites mórbidos
De quintais e de paixões,
Fez com teu rosto um quadro
Na lembrança, goteiras
Que insistem nas latas
Rítmicas, funérea zombaria,
Compasso úmido da minha dor
Orquestra macabra de quem
Silenciou para sempre o nosso amor.
*QUADRANTES DO INFERNO*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Vi barcaças remotas no horizonte,
Há navios de cascos inclementes,
Executando a grande operação
De acabar como todos os dementes
E atirá-los nos quadrantes do inferno
Pra que deles se vingue o dragão
O Diabo andando em contramão
Rezando um Pai-Nosso em comoção
Um serafim que beijou o inimigo,
Pra que talvez se fizesse seu amigo,
E dois olhos se fecharam para mim
Pra que eu me fosse em profunda solidão
(IMACULADA DAMA)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Impoluta dama
Sombria e resoluta,
A me rondar com teus esgares deletérios,
Até ter-me em teus braços,
Etéreo instante
Que ver-me em ti
A me roer, sem mais terror
Caso-te a boca delirante
Com esfuziantes vestes
Minha cama de mortalhas
Danças, resinas sedutoras
Sóbria à cabeceira e agora
Maternalmente incestuosa
Me queimarás em teu ventre
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Por que sempre amanhã,
Se o dia hoje se enfeita
De sons e alegorias,
Pra receber-me como filho pródigo?
Por que esperar o sol
Se a noite hoje se veste,
De neblina e tramas
Pra me envolver em seu silêncio lôbrego?
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Num dia ou noite mais curto,
Hipotenso estarei à esperar-te
Nem à memória meu primeiro beijo
Meu pensamento entregue à tua foice,
Sombria dama à de esquecer-te
Decepado e farfalhante mundo à dentro
O que sobrar, aos vermes livre,
Sem ódio, crença, nem trabalho,
Repousará tranqüilo em taça de tijolos
Com gosto alcoólico à escorrer-te entre os dentes,
Estará sorvido o engano mais longo
(NOTURNO)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Um risco separa no meio,
A umidade desenha o brilho,
As luzes choram no asfalto
E a solidão da noite caminha
Viúva, num único par de sapatos
Imagem de um paraíso abandonado
-Deus da Loucura-
Deus da loucura,
Sensivelmente insensível
De mãos, pinta minha tristeza,
Para isso abandonado
*SANT´HELMO*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Teus olhos de Sant´helmo,
Reverbera nesta noite
Reverente, inalcansável,
Loucura de inocência
Proibida Huri
Mesmo que meu o mundo
Embarcação que se afasta
Cais, melania
Cauda comprida de cometa
Trêmula desesperança no mar;
Meu sonho frágil de mortal.
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Hoje o que há
É um desenrolar de fita virgem,
Mais como arma
Que uma realidade presente em mim
*AO VENTO*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Quantos idos, retornados
Tantas vezes irisados,
Nas manhãs dos meus pecados
Triste lente dos meus olhos
Hoje mira impossível retorno
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Minha pressa gotícula pelos poros
Em minha chegada de paletó na costa
Não é ansiedade nem nada,
É medo de chegar tarde...
*SOLIDÃO*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Os homens tranqüilos,
Nas horas mortas,
Repousam suas consciências,
Enquanto meus sapatos, ao pé
De suas janelas urbanas,
Pisam garatujando sonhos.
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Eu não sou o que sou
Talvez nem o que aparento
Menos ainda o que anseio
Quem sabe um monstro de luas à minguar
Até que décadas de um sonho se acabe
Subserviente sem mim mesmo,
Me perderei nos nossos cérebros
Eles todos cegos de poeiras e cortinas
A me envolver no pó de uma só noite
ELIEZER SOARES DE SOUZA
O silêncio à contrapor-se
Ao silêncio, abriga
O ruir de trágicos sólidos,
E o estrondo macabra as margens
Alaga doridas de flores feridas
Adagas perdidas de amor, fere a flor,
Num repente de sonho das águas
Retornam de tempos, tristes planuras.
E o manso fluir
Em tempos de se falar,
Tanto houve, até calado.
*TENTATIVAS*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Incompleta poesia
Frases soltas
Centésima tentativa
Revoada orgásmica
De sons gestuais
Perpétuo ensaio
Hás de ser incompleta,
Inexprimível,
Para que os papéis não fiquem brancos.
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Um homem dentro da tarde
Como poema crepuscular
O sol não chega sem futuro
E a idéia anoitece. A noite
Meu anjo se perde tranqüilo
Agora sou um segredo claro
Afazeres que não bastam à compulsão
Dos deuses profanos e sapientes
Eu quase perco o meu trono
Não fosse um grande rei,
Mas o povo escapa à minha elucidação
Mas não um povo que não fosse eu.
*DESESPERANÇA*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Agora estou aqui
A noite é imensa
E a lua me espreita?
-E daí?
Para me fazer escuro,
Feito uma construção inacabada?
ELIEZER SOARES DE SOUZA
*O tempo e a amplidão,
São uma ilusão,
Não têm fim.
A vida sim.
*POETA ANÔNIMO*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Ele faz um verso,
Como quem risca um fósforo
E ao acende uma vela
Para que não lhe vejam a claridade
Ele não quer nada
Ele é só e sem nada
Ninguém o vê
Nem segue
Nem sabe.
-Ele é Deus-
ELIEZER SOARES DE SOUZA
A mordê-la
Quem dera viver
Com dentes serrados
Amor, de lá
Eu só, de cá
Sinto essa pena
Amor dela
Quem me dera
Foi pra São Paulo
Meu Sant´ Antônio
Ela era macia
Como esse, só,
Meu travesseiro
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Um dia me sepultarão
Menor que uma semente,
Talvez como vingança,
Por ter eu visto e velado
Em vida tanta gente
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Claras chamas
Últimas pálidas
Torrentes rolaram
Pálidas últimas
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Não tenho nenhuma elegia fantástica
A vida era podre
As caras podres
Estavas simplesmente podre
O dia era.
A noite rondava podre
Irremediavelmente podre
Era tudo podre
É tudo podre
É assim, e diferente disso não posso
Também podre
*PRENÚNCIO*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Das folhas trinava nosso silêncio
E o vento sibilava em nossas bocas
No canto semi-escuro meu peito batia
E a lua flutuava como peixe no aquário
Nosso beijo estalou no riso dos grilos,
Que se aquietaram num adágio sentencioso
Selando nosso lacrimoso destino
De viver numa falsa e querida agonia,
Vi restos de várias luas rompidas,
Igualmente prenunciosas de fim.
*NOCTIVA-GUIA*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Guardo meu coração
À luz de postes e aguardentes,
Na noite estuprada pela lua
Vez em quando corre nossa voz nesse silêncio
Como um pretenso devassar esse mistério,
Num fundo eco de som inviolado,
Sem mãos, nem cordas que se atrevam
O sonho é mudo.
Navegam no claro espaço
Com sombras enormes projetadas
Zombam insetos e fantasias,
Da nossa tristeza escura e demorada
Despedem-se ou morrem de manhã
(NOTURNO DE SÃO CARLOS)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Há noites um anjo desperto
Prensa meu peito
Faz de vidro o telhado
E a lua, transparente.
Chama o lobisomem
O mato geme
Silêncio tanto
Eu quase vivo,
O filtro pinga
Um som suave
De outros porres
Meu bem...
(NÃO HEREDITÁRIO)
Eliezer Soares de Souza
Nunca eu de mim um poema,
De mim meu pai um poema
Eu sempre me fiz para estranhos,
Pois vi ruas em mim desconhecidas
Escondido em neblina e segredos
*DESENGANO*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Meu coração a custo resguardado
Num assomo torturante e assombroso
Colheu das tripas com gesto doloroso
A flor do sonho e ao vaso tão sonhado
Ofertou, sem pejo e sem malícia;
Melhor perfume dado a quem se adora
Sabor de beijo dado à toda hora,
Embriagado no engano das carícias
Pelo mundo perecível das quimeras
Rodopiou valsando, mas nos cabelos
Brisa fugaz de volúpia sensual
Corado de batons de primavera
Sobressaltou-se meio ao pesadelo
Do festejado amor restou-lhe o mal
(PECADO DE DEUS)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
O ser humano lava-se de suor
Sob o sol exato, cava, cansa
Um buraco no meio dia
-Enquanto Deus passeia nos cães da rua-
*NUMA RUA PASSA*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Animais Escravos
Gente? massificada
Insetos isentos
Desfiles de exaltação
Alegorias do luxo
Discursos do poder
Carnavais de ilusões
Comemorações dos campeões
*PASSA FÉRETRO*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
E a situação não se inverte,
É sempre os infelizes
Carregando os felizes.
(Ficaríamos envergonhados de nossas melhores ações, se o mundo soubesse o que as motivou.)
- FRANCISCO VI, Duque de La Rochefoucould -
*COLUBREADO CANDIL DAS ÁGUAS*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Colubreado candil das águas
Lucila ondulante e rumoreja
Murmúrios, espectros e mágoas,
Cantiga estranha e benfazeja
Longe dos portos mal cheirosos
Esquece a leprosaria fedentina,
Dos vícios mortais e cancerosos,
Do brilho das frágeis serpentinas
Luxureante embarcação sem rota
Ao léu e do naufrágio esquecida
No convés à mirar o lampadário
Olvida a morte, como mal remoto,
Uma silente procissão enternecida
No concreto desse rio imaginário
*TUDO E NADA*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Tinha uma hora
Que eu era um vácuo
Tinha uma hora
Que eu era um Deus
Tinha gente que era amor
Tinha gente que se fazia santa
Tinha um círculo que virou
Foi uma miragem que se acabou
Todos os bêbados...
Todas as mulheres...
Todos os amigos...
Aqui raramente se continua
A vida, nem se fala
*IRONIA*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Associada beleza
Com uma fita vermelha
Na boca, feita de cetim
Pelos faróis dos carros,
À suicida tristeza
A hora descia lúbrica
E vazia me envolveu,
No tempo consumado
No beijo da cena
(A MEMÓRIA DE FÁTIMA)
*SOLIDÃO*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
O deserto dos pomares na entre-safra
Com seus segredos absurdos
A solidão lúbrica dos becos podres,
Com seus homens felizes e servis
Trono do cancro teso e pronto
O céu de areia.
A lua perdida.
Um reino triste.
(CANÇÃO DA MORTE I)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Ao correr dos dias
Vejo mais claros seus contornos
Sua presença mais sombria,
Mais reluzentes seus adornos
Dona de todos os horizontes,
Figura velha e inflexível,
Ditas, das cidades e dos montes,
Tua lei velha e temível
Ao soprar o teu hálito gelado
Sobre tudo que perpassa e que seduz
Torna cadáver triste e incinerado
E toda vida em pó, tudo reduz
Pronta sempre pra caçada
Como ave de rapina impiedosa,
Com tua foice inclemente, afiada,
Paira tranqüila, suprema, desdenhosa
Ao se abater sobre a vida indefesa
Traz nos olhos a certeza da vitória
Decreta o fim da alegria e da beleza,
Somente nisto consiste a tua glória
Mas sei o que procuras há algum tempo,
Por mim, que insurpreso e sem pasmo
Posso fazer disso um juramento:
Me estremecer contigo num orgasmo
Até que o tempo resolva esta batalha,
Até que tu, com couraças e tridentes,
Tenha aniquilado tudo, em todo ventre,
Sem que percebas nisto a tua falha
Te sentarás também mendiga
E faminta num canto, solitária
Recordarás chorando a ceifa antiga
E ao infinito volverás, já também morta e sedentária.
*CARNAVAL*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
A liberdade como carro cintilante
Se faz notável, viva e rutilante
Quando o suor impregna a fantasia
O gingado cadente, alegoria,
Miscelânea mágica e sutil
Enfeitiçada malícia da Bahia
Sacanagem, frevo, samba e rio
- Sonha Brasil ! –
À MEMÓRIA DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Carlos:
Defungiste,
De tanto esmero
E na sombra de anjos tortos
Repousa tua voz no dormitório
Drummond:
Já não te recolhes para ensaio,
Agora o espetáculo é verdadeiro
Mas o eco do teu canto
Se quebra nos confins do mundo,
Que te assistiu andar esquerdo
De Andrade:
Talvez deslizas entre camélias,
Quem sabe encontraste Minas
E que rastos deixam “vossos pezes”?
Nas amoras de Minas miragem
Namoras doces minas
Moras em minas agora
Garimpa minas de Minas.
*MADRUGADA NA INFÂNCIA*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Os galos batiam as horas,
Hora de meu pai sair encapuzado,
Tão preto como o cantar fantasmagórico
Meia-noite batia as asas, medonha
Eu achava que era a hora mais escura
Meu medo estranho como meu pai saía,
Estranheza de mãe em busca do que fazer
Sem ter, opção única no meio do sonho
O começo cantava perto
Mas na minha dês-noção? Tudo
Tarda ainda, envolto o dia
Seria só o regresso da capa negra
A frieza, o tédio incomensurável
E grandiloqüência da noite
Um pêndulo sinistro no canto
Do quarto, fascinava com sombras
E nós convidativos, movediços
Talvez também cantassem o tempo
E tudo mais dormia sem notá-lo
Até apagar-se no escancarar do sol
No meu fechar de olhos
AMÓRBIDO MENSTRUADO
ELIEZER SOARES DE SOUZA
A lua saía ligeira por trás de nuvens
Sombrias, no céu, pesadas
Árvores sorriam felizes no vento
Na noite, murmurantes,
Fazíamos cama, amantes, sem sono
Talvez rondassem dráculas, lá fora
Sombras esguias, cuidadosas
De olhos devassos, assassinos pensamentos
Em nós nus de cordas prontas, forcas abertas
Deixavas o copo e tua mão...
Na parede pendia o crucifixo,
Libertador do mal, da impureza dos teus dias,
Do fluxo, das horas que corriam,
Assinalando meus lençóis
Eram de santa tuas coxas
Brancas, entre, almas, revolviam
Em direção à vida
Insondável amor insaciável
Da vida fonte escura
E o teu beijo molhava meu cigarro
*ESTÂNCIA DO AMOR*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Meu pescoço lateja duro
No teu úmido aconchego
Minha cabeça dorme no escuro
Dentro da estância do teu amor
Meu corpo treme angustiado
Em contrações que me apertam
E na forca preparada
Do teu cálido carinho
Penso morrer no ninho
Tuas mãos... são lindas!
Seios que cansam mãos,
Bocas sem palavras, sem...
Minhas mãos ásperas...
Na ânsia de qualquer coisa além
Do que podemos, resta a dor
O amor a recomeçar
*DOMINÓ*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Vidro
Gato
Feroz
Baba
Peixe
Vendo
Aquário
Macio
Galho
Cobra
Ninho
Cruel
Seduz
Passarinho
Abajur
Buraco
Menino
Fechadura
Trêmulo
Penumbra
Pelada
Solidão
Sonador
Contempla
Planeta
Possível
Eterna
Obsessão
Escravo
Mulher
Desejo
Patrão
Ódio
Sado-ma-soquista
Menino
Brinquedo
Pobreza
Vitrine
Encanto
Quebrado
Acorda.
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Deus é uma droga
Por algum tempo vivi maconhado
O amor uma estória juvenil,
E agora eu sou maduro
Como um fruto esborrachado
No chão sem relevo do lirismo
Depois de tantas viagens abstratas
Saltei sem medo na penúltima curva
E as pedras não têm mais arestas,
As flores não têm mais espinhos,
Nem odores cativantes, nem mais flores
O quintal possuído pelo mato
Descarece de limpeza, às aparências
De maquiagens transparentes
Desinteressadas, sem contos de fadas
O sapo não mora em castelo
Nem na lagoa vive o príncipe,
Então, o beijo é dispensável;
E só resta meus versos
- Se é que são -
*INFIDELIDADE*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Mesmo que seja o corpo
Só invólucro, recipiente,
Vulgarmente se quebra
Desperdiçando o conteúdo quente
No ato, com alguém que te chupou
Se corpos não forem a dor
Se braços não forem calor
Se beijos não forem amor
Se pernas não forem ardor
Então não há distância
Nem há proximidade,
Nem há distância
Minha sede por teus copos é louca,
Mas se quebrados
Na certa é derramado
- o leite –
*A CADELA E A MULHER*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Pelo doce dos olhos
Essa cadela está prenhe
Como as mulheres
Como nem todas as mulheres
Trará à luz como as mulheres
Como nem todas as mulheres
Igual trazem os homens
(CONFISSÃO)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Eu tenho um medo danado,
Que minha cirrose me faça ridículo
De me arvorar como poeta,
Ou me esquecer numa comédia
As árvores são tão íngremes
Os homens são tão últimos
O tempo no vento, passa tranqüilo;
E eu?
(INSONE)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
A casa acesa,
O zumbido das moscas
A hora leve como pena
As galinhas pensam que já é dia
Parece que o mundo inteiro é feliz
O tempo reza meu sacrário insone.
(VOZES ETÍLICAS)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Minha vida
Em contumaz delírio,
Tremem fantasmas em turbilhão
Vozes etílicas,
Noite afora
Pântanos corridos pela fresta
Cheiro inexaurível,
Esmalte, álcool, cola
Um dia atrás do outro
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Nossas bocas não dão chance
Enquanto nossos gestos cavam
Trincheiras dissimuladas
E nossa paixão não tem paz
Nossos corações radicais
Criou esse silêncio intransponível,
Cada qual no seu trono
E nossos dentes de pedra
Reinam absolutos como reis
Que se preparam
E nossa paixão não dá paz
Nossas verdades são abismos,
E meus pés vassalos,
Agora sonham escadas
Nossa paixão não foi capaz
**************************
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Por tanto que busquei
Até que os pés e as mãos bateram
E abriu-se solícita a porta do desencanto
Para outro imenso abismo de degredo
Nossos líderes sitibundos
Dormem solenes e frios como a lua
Na amplidão secreta dos segredos
Nossos sonhos recolhidos no silêncio mais profundo,
De um pomar romântico e amargurado
Tento uma prece profana e comovente
Mas o caminho está podre
Minha casa está podre
(ESSA PALAVRA)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Amor essa palavra
Desmesuradamente afoito
Descompassado à coito
Tanto amor essa palavra
Desritmadamente mudo
A posição amada
Amor não digo sinto
Desritmétricamente suo
Cheiro dela a me vocabulinar
Indicionariamente sem dente
De amor tão ma cio bem cio
Meu mal dito e sabido
Lido à frente e à marcha ré
Sussurro amor um muro duro
Parto um quarto um bar juro
Amor...
(SONHARAM COMIGO)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Quando eu era só
E sem essa consciência trágica,
E era só um sujeito magro
De nariz adunco
E por isso meio complexado,
Uns poucos quilos
Um metro e uns quebrados,
Eu não tinha tanta tristeza
Nem medo de ser defunto
Mas hoje eu sei que sou um sonho,
Um dia o tempo vai acordar
E a madrugada, o dia,
A mulher que eu amo,
A primavera e os bichos
Vão amanhecer sem mim!
E todas essas coisas
Lavarão o rosto, sacudirão a cabeça
Afinal foi só um sonho
Sonharam comigo!
********************
(DEUS)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Meu Deus.
Meu Deus!
Meu Deus?
Eu Deus.
Eu Deus!
Eu Deus?
O que será de nós?
Nós?
O que será?
(PÁGINAS SOLTAS)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Resignação estóica,
Senão prazer, sempre,
De ter sido ralé da rua suburbana,
Rural e mundana
Putas de rua e de botecos,
Vôos rasantes de maconha,
Tal pássaros em chão que é seu,
Em calçadas suas,
Suando o pão do dia
Cadeias não prenderam todo,
Ferro friou-me o corpo magro,
Inútil, em sua grandeza inútil
Se ao limbo fui, subi
Alto de pretensões Direitas,
Ainda o antigo nojo
Vã, nem me disse quem ser
Basta uma brisa, que ferros não barram
Ela sou eu, para dormir quem sou
Livre, rasgo essa página
Pessoas e bichos pedágios
Paguei na estrada
Paixões bêbadas
Sangüíneas e fleugmáticas
De corações breu de água ardente,
Brotaram de velórios e carnavais
Cafezais brancos e musicais
-Talvez floram para excitar cigarras-
Menino ligeiro pensava
Menino e cão, Deuses da relva
Rolavam verdes como imagem santa,
Sem fantasmas de amanhã
Camalearam-se um dia
Por cadelas e olhos
De moça, emaranhado amor
Selvagem, de bocas negras
Páginas soltas de água e de mercúrio
Soltas páginas,
De água e de mercúrio,
Uma e outra arrancadas
Em cada canto da vida,
Velharias de sótão,
Margeiam rotas,
Estrada sem fim
O que há de mim já longe
Páginas que recusei,
Páginas que não li
Páginas que amei,
Assim como rolaram ao leu,
Permaneço ainda sobre o desfiladeiro
Deus desse montanhoso céu
Não só com olhos de rever fotografias
Anseio ainda com os mesmos olhos
Pelo que há de vir,
Brancas.
(CONVALESCENTE)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Amor ou ódio
Como um tiro
Deixou marcas, estampido
Em meu peito, desferido
Amor ou ódio
Como arcos tesos
Disparado fez meu sentir
Curvado caça presa
Dez vezes...
Dez anos...
Amei como dez gravidezes
Odiei como dez abortos
Silenciado permaneço
Feliz!
*********************
(FINADOS)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Por todo campo velas
Por todos santos pedem
Por toda alma círios
Por toda calma velas
Ossos vazios
Casas vazias
Regresso vazio
Como eterna esperança
Anos-luz serão acesos,
Para lacrimejar no vale
Que a saudade inunda
- Oh, eterna esperança -
(BÓIA-FRIA)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Bóia-fria nossa quimera
No chão seco e desigual,
Lavrando nossos pés
Regado a tanto suor;
Nosso pisado
Infrutiferamente
Ironicamente
Nossos amor de bóia-fria,
Labuta secular
Enclausurado e sofrido nos casebres
Direito? (sacrílego à paria)
Inútil brota a manhã,
Inútil morre a noite,
Como filho insustentável
Música primitiva
Bóia de nossas mãos
Feridas de cordas
Donas de nada
Frias de orvalho
Sofrer;
Nosso quinhão
Legado de culhão
-analfabeto não sabe dizer hereditário
Bóia sonhos em maquilagens baratas,
Água de cheiro sem cheiro
Em restos nos rostos, fria
Secos no sol à pino
Fedor de fumo
Suor sem rumo
Bóia nossa tristeza de moça desgraçada,
Maculada na terra, fria
Promessa descumprida,
Sonhada nos casebres
Lavra bóia de nossas mãos
Dor de tantos irmãos
Primitiva música;
Nosso quinhão
Legado de culhão
(DONA FÚTIL DO LARANJAL)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Vasto laranjal,
Tão grande que transformado em qualquer coisa
Ou cifra, também é vasto
Quantas drágeas de vitamina C!
Quantas drágeas de poder,
Resumido em laranjas,
Para mãos poucas e certas,
À destino vão
Embota o espírito de amarelo
Cor de vestidos oníricos, de bóias-frias pobres
Verde e amarelo, feito o Brasil da Bandeira
Mais longe
Tinem enxadas,
Carpem meu peito,
De idéias daninhas,
E de amor gripado
Labuta vã de colonos
Na fazenda há uma moça rica
Na fazenda há uma moça bonita
Na fazenda há uma moça luxuosa
Dona do laranjal, leitosa
-Todo ano vai para a Suíça-
De vacas gordas de imensas tetas
-Todo ano vai para a Suíça-
Dona de tanta gente e coisa
Que todo ano vai para a Suíça
Num avião de laranja
Veste laranja
Come laranja
Anda laranja
Fala laranja,
Convencida de que cheira
O que é,
Sua
Inteira
Exclusiva,
E tão-somente sua
Sua propriedade
Hora do pega,
Moringa seca,
Barriga de laranja,
Amole a enxada
-Ninguém quer gripados-
(NOTURNO DE BARIRI)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Um risco separa no meio
A umidade desenha o brilho,
As luzes choram no asfalto
E a solidão da noite caminha
Viúva, num único par de sapatos;
Imagem de um paraíso abandonado
Deus, da loucura
Deus da loucura
Sensivelmente insensível
De mãos, pintam minha tristeza
Para isso abandonado.
**************************
(FIM)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
A lua ao léu
Eu vou para o céu?
Não, não vai
Pra que lado eu vou?
Pra casa do chapéu?
Nosso destino é pó
E se eu der o nó?
Só se for nos ossos
E se eu disser compadeça-se de mim?
Resolve? Não, tudo tem fim
(BREU DO TEMPO)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Inverno num cenário de corpos desabrigados,
Incoerente como perdão óbvio,
Do amor-paixão cego-masoquista
O tempo desfia impenetrável,
Como uma blusa de lã no lixo
O vento traz a pele arrepiada,
O cadavérico pomar sob um menstruado céu
Invade qualquer coisa da casa de outrora
E assim num sol espavorido,
Sínicas crentes em fantasias
As abelhas tingem o absurdo
À voltear nossos escombros
Mas todo mel de toda asa
Não adoça o véu, amargo
Da vida deflorada pela noite.
(OBSESSÃO)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Desenterrar defuntos
Sentimentos putrefatos
O trabalho de refazer a vida,
Na ilusão de enfeitar anos e natais,
Venerar deuses e ancestrais,
Na incoerência de esquecê-la,
Por um mundo adormecido
O próprio esqueleto se refaz
Se torna visível,
E nesse silêncio de erva,
A planta requer o corpo
Nossa consciência cria a luta
Fantasmas esquecidos
De pessoas arrastadas
De nós próprios, insepultos,
Pairam agora tramas de mistério
Imaginar mais carnavais do que se possa viver
No próprio engenho do prazer
Destilo a própria dor
Na obsessão de esquecê-la
(SEM ÓDIO NÃO HÁ AMOR)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Estória de perdidos
Dar a outra face:
Gesto divino de perdão
Numa dimensão impossível
Pseudo-relacionam-se
Condenados e doentes sofrem
Sintomas degradantes
Do cancro incurável
Do coito masoquista
Do perdão inútil
Sem ódio não há amor
O homem será pedra
Se não viver em confusão
Tanto mais propício
Ao feitiço enganador da traição
Tanto mais eficaz se torna
O riso podre, quanto mais sensível
E lunático for o clima do perdão
Mente
Coração
O homem será pedra
Se só houver perdão
(MISTÉRIO)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Desce assim esse mistério sobre o rio
Planura do meu ser úmido e perplexo,
Não sei que espantoso peixe ou lágrima,
Como se quisera agitar a superfície,
Brilha nas retinas, ou beija a flor
Meus olhos. Do teu sorriso,
Sub, tímido, vem de dentro,
Aflora, engasga, em mim
Espinho na garganta
O seu amor é um mistério
O eu ser rio é um mistério
O meu, o nosso mistério,
Esse querer é dor
Um submundo de peixes,
Espantosamente necessários
*********
(BÊBADO)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Na porta de um cinema,
Diariamente dorme um bêbado,
Puru-lento lazarento
Ele não é somente um bêbado,
É nossa própria pústula
Pusilânime amor humano,
Nosso espelho acomodado
Não dói a loucura indiferente,
Dói o medo de ser vivo,
Desse bêbado humano
De qualquer um ser
(LUA)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Por tua luminosa fresta,
Troto um cavalo panteísta
Caminho aberto nessa escuridão
E só o saber disso, liberta
De mim a escravidão, além
Do corpo breve, e torturado,
Pastoreio a minha luz e a tua,
No teu silêncio desalado,
Por entre noites nossas
Querendo existir sempre
ELIEZER SOARES DE SOUZA
E daí?
O prazer absurdo
O fingir de nossos gestos,
E ficamos supremos
Sobre um Deus que se mudou.
(O SONHO É MUDO)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Guardo meu coração,
À luz de postes e aguardente
Na noite estuprada pela lua
Vez em quando corre nossa voz nesse silêncio,
Como um pretenso devassar esse mistério
Num fundo eco de som inviolado,
Sem cordas nem mãos que atrevam
O sonho é mudo.
Navegam no claro espaço,
Sombras enormes projetadas,
Zombam insetos e fantasias
Da nossa tristeza escura e demorada,
Despedem-se ou morrem de manhã
(MINHA MORTE)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Talvez minha morte seja um alívio,
Para a primavera que não terá mais
Suas flores arrancadas,
Para as pessoas que me suportam bêbado,
Para o ar que me alimenta
E as vezes insubordinado me falta
Para a mulher que sábia me foi possível por uma só noite,
E para todas outras coisas mudas e imundas,
Que não falaram sobre meu peso:
As calçadas
Os bancos da praça
As vitrinas
O vaso sanitário
As sandálias
As pedras chutadas
E talvez seja comiserativa à poucas pessoas,
Que me tiveram um mínimo de compaixão,
(já que o amor é uma invenção tão antiga)
Para os cães que me foram companheiros
E infelizes na nossa paixão pela lua
E também para mim, desapropriado de tudo
(CIRROSE)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
É quase um privilégio ter cirrose
Há um círculo etílico, etéreo
Vicioso como uma superioridade
(Na falta de uma definição maior)
Que seja uma ironia engarrafada
Que há senão na vida,
Uma vontade contra tudo
Que não se pode?
***************************************
(OUTRO VENTO)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Quando essa rua de mim for cinza,
E esse ouvido não for mais vento
Ou nem isso. Que a cinza espalha
Quando um sutil silêncio dominar o tempo,
E for deserto o meu nome em tua voz
E for ausente o meu ficar a sós
E for ausente o meu ficar contigo
Ainda que seja,
Em meio a possibilidade de qualquer silêncio,
Em meio a vastidão de qualquer tempo,
Haverei como navalha,
Na voz de outro vento
Que entra em teu quarto, sem horário
Serei como navalha
Naquele instante, de minhas palavras,
Do meu querer e de meus passos antigos
Em ruas antigas na tua lembrança
Perpetuando-me em ti
Te levarei comigo
Naquele instante
Para viver aqui
***********************************************
(DECADÊNCIA QUE É SINÔNIMO DE AUSÊNCIA OU VICE-VERSA)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
A marcha dos dias fez soturna a casa,
Arrastam-se nos cantos quem nela habita
Velhos e carcomidos, ausentes, vegetais
O gato dormiu silencioso,
Na consciência antiga
Só o ruído dos ratos, eternos
O roer incessante, igual
Os ratos de ontem, sempre
Permanecem, que os ratos são eternos
Parede nua ensebada e torta
Como perna e braço e cara
Desse tempo esqueleto
Imóvel esqueleto
Um rosto único
Mira dum quadro
Vivo, docemente intumescido
Como pés de mulher, grávido
Retrato do passado
Os olhos ou a horta não vê mais verde
O belo não é mais belo
O nada não é mais nada
O antigo, não se lembra
O novo não se sabe
A lembrança não incomoda
-Essa ausência de tudo, parece por vezes, imprimir neles,
A vantagem de não sentirem também o desencanto-
Crava o retrato em meu peito de queijo
Um riso fatal de tanto rato
Inapelável, como fome, superior
***********************************************
(DUBIEDADE)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
A meiguice do teu rosto é tão cruel,
Tanta doçura só me faz sofrer!
Não sei se por me prender como algemas,
Ou se por eu, talvez não merecer
Já que tudo que na hora passada
Me era claro e eu queria tanto
Se me afigura agora, falso e morto
Feito uma fruta insossa e mastigada
Talvez seja essa imensa dúvida
Talvez seja teu olhar com fome
Talvez o sal de tua pele úmida
Seja os temperos desse amor sem nome
Assim te amo sempre espantado
Com medo de ficar, com medo de partir
Pois vejo em ti, meu ser assassinado,
E nesse crime por você me traí
***********************************************
(ANTI-PRIMAVERIL)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Esse transcorrer de tantas primaveras,
Não me trouxe mais que cores provisórias
De transitórias estações de flores
De certo nunca plantei nada
Nos terreiros da madrugada
O brilho é relativo embora imenso,
O cinza é certo e bem mais frio
Os galhos secos e nus ao sol
Os frutos vão e vêm, na absoluta
Rotação, explícita, não há mistério
No atropelo sentido recusei quimeras,
A pedra é pedra e só
O ser é ser e pó se prende
E o cigarro meu único suspiro
A fala se perde numa imensidão sem eco
E a boca só se salva
Pelo hálito anizado por tapetes aliciantes
Enquanto épocas sucedem-se inertes,
Nos gramados secos de esperança
Por isto os braços estirados aos frutos
Cuidam apenas de matar a fome
O coração do mundo é de granizo e neve
Um buraco maior abre-se à carne
E não livrará, milhões de primaveras
***********************************************
(MEU POEMA)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Ah! Meu poema líquido,
Escorres como água entre meus dedos
Me lembras porres homéricos de sábados
Molhas-me, passageiro a instigar desejos
Ah! Meu poema cores,
Ambivalência romântica de tanto brilho
Púrpura, minas-me o coração
Vermelho amores e é sangue
Ah! Meu poema forma
Nua carne chamas-me à luta interminável
Abstrais-me à concretizar os teus apelos
Enquanto simbolizo apenas um esboço
Ah! Meu poema música
Se me persegues réquiem ou realejo
Inutilmente soas, por instantes im-preciso
Eu nem canto nem te escrevo
Ah! Meu poema
Que se esconde e se traveste
Em muitas faces e segredos!
Dai-me um correto poema
(FOGO)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Que força estranha há em ti que me excita
Tornando meus desejos ao teu sabor
Tão bestial quanto ao mais puro amor
Assassinado, ou como ferro que rubrica?
Por ti adentro em teu soturno mundo
Cruel, de acalantos, labaredas
E minha alma e matéria antes azedas,
Sonham eternidades num segundo
Contraditório assim, que me domina
Com teus cromados e maníacos lampejos,
Quem sabe guardas teu máximo segredo
Para a última e maior festa junina
Teu crepitar me sufoca, poderoso
Como agonia de paixões rasteiras
Torce meu coração contigo nas madeiras
E a ti queda meu ser mais langoroso
No clarão dessa loucura feiticeira,
Pode habitar um Deus tão mágico
Iluminando com doçura e trágico
Me incinerando como lenha na caldeira
Tu, símbolo eterno desse pó
Fogo de sóis a ofuscar meus olhos,
Para que livre das cinzas e ferrolhos
Possa eu te ver de uma constelação maior.
(POETA)
Eliezer Soares de Souza
Nem meus versos são meus,
Quando eu nasci já havia
Todas as palavras feitas
E recitadas aos meus ouvidos
Então, queimei todos os cordões e atestados,
Tudo o que é meu é sem posse
E não haverá fotografias do que eu amo
De Deus não há certidão,
E reina inútil como todas as velas
Acesas no dia 2 de novembro
Poeta? Não sei,
Quem sabe é quem me lê,
Cumpro a sina de escrever
Insensível? Não sei,
Não deixo e nem me deixaram legado
A miséria independe de mim
Incrédulo? Não sei,
Deus dorme na eternidade
E nunca me perguntou nada
Niilista? Não sei,
O destino corre à minha revelia
E contra é inútil toda rebeldia.
(Olho-o pela última vez no ataúde, em seu rosto não leio serenidade, mas a humilhação de estar morto.) - LÊDO IVO –
(MÍSTER ROCK´N´ROL)
PARA RAUL SEIXAS
Eliezer Soares de Souza
Num acorde infinito
Habitas um mundo
De estrelas e discos
Acordar noutro espaço
No fremir de outro tempo
Sem sons voadores
Rir da dor que se acaba
Por-se pelos olhos,
Como delírio de Deus
A boca, essa ria
Da noite grandiloqüente
Seu moço –
Em círculos hás de ser,
E tudo sem A nem Z,
Só uma estrada, mister Rock´n´roll!!!
_________________________________________
*Se a vida fosse*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Se a vida se resumisse em por de sóis
Só em canto de pássaros
E música divina de harpa eólia
Ou fosse como num super-mercado
Toda entregue, pronta, engarrafada
Pluricolorada
Essa poesia seria liríssima,
Resplendente.
Macia, primaveril,
Tal vale matizado de luzes e pétalas
(Meritíssima Meretriz)
Eliezer Soares de Souza
Teus olhos mais que corpo
Como noites espumosas
E taças de amanhecer vazio,
Se embriagam de ilusão sabida,
Transparece uma fome cardíaca
Que tantos machos como nuas
Não são homens nem carícias,
Ficas num vago ensaio de alegria:
Todas no céu da boca, amargas, luas,
Todas no céu das pernas sujas como ruas
Entre seus lábios marginais,
Ressaca de cheiros acres
De espumas incontáveis
De espumas variadas
Meritíssima
Meretriz
Teus olhos sabem o sol do dia
Além dos poros podres de teu corpo podre
Meritíssima
Meretriz
Náufraga do mar aberto
Teus olhos sabem
E praias de amanhecer vazio
*LUA DE MELANCOLIA*
Eliezer Soares de Souza
A lua nua valsa
No fundo denso
Da música desolada
E silenciosa da amplidão
O mundo e a solidão
Que são tão grandes
Torna audível o teu adágio
Teu facho vara a boca
E rima a soledade
Da hora sem tristeza
Sem Deus.
Sem nada.
( CAMINHAR )
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Mugido pelos campos,
Tangido pela vida,
Sigo pelo verde
Fumaçando pela boca,
Varo manhãs frias.
Cada cigarro, tenta sufocar, cada dia,
Um Judas que não se enforca nunca.
( PEQUENO CEMITÉRIO DE SANTA EUDÓXIA )
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Parece a cidadela do silêncio.
Nenhum guerreiro luta mais.
Todos os navios já zarparam.
Gemem os canaviais à sua volta.
Agora tudo é eterno e santo
E os reis já não reinam.
O vento sobre seus muros,
São sinos de desespero.
Ou assoviam canções de saudades.
{ Pequeno cemitério de Santa Eudóxia, é um cemitério pequeno, cercado de canaviais. Causava-me uma impressão indefinível. Chegava-se a ele por uma estrada de terra. Eu ia sempre lá, fazer não sei o quê, acho que sou meio necrófilo, tal é minha obsessão medo da morte. Me é inconcebível a idéia de morrer, por que a morte é eterna e a vida não ? } Este mesmo poema foi publicado em 2007 e comentado num artigo do professor e escritor Deonísio da Silva.
*DUBIEDADE*
Eliezer Soares de Souza
A meiguice do teu rosto é tão cruel
Tanta doçura só me faz sofrer!
Não sei se por me prender como algemas,
Ou se por eu, talvez não merecer
Já que tudo que na hora passada
Me era claro e eu queria tanto
Se me afigura agora, falso e morto
Feito uma fruta insossa e mastigada
Talvez seja essa imensa dúvida,
Talvez seja teu olhar com fome,
Talvez o sal de tua pele úmida,
Seja o tempero desse amor sem nome
Assim te amo sempre espantado
Com medo de ficar, com medo de partir
Pois vejo em ti, meu ser assassinado,
E nesse crime por você eu me traí.
*POEMA LÍQUIDO*
Eliezer Soares de Souza
Ah! Meu poema líquido,
Escorres como água entre meus dedos
Me lembras porres homéricos de sábados
Molhas-me, passageiro a instigar desejos
Ah! Meu poema cores,
Ambivalência romântica de tanto brilho
Púrpura, minas-me o coração
Vermelho amores e é sangue
Ah! Meu poema forma
Nua carne chamas-me à luta interminável
Abstrais-me à concretizar os teus apelos
Enquanto simbolizo apenas um esboço
Ah! Meu poema música
Se me persegues réquiem ou realejo
Inutilmente soas, por instantes im-preciso
Eu nem te canto nem te escrevo
Ah1 Meu poema
Que se esconde e se traveste
Em muitas faces e segredos!
Dai-me um correto poema
*VÔMITO*
Eliezer Soares de Souza
Quando todas as suas bocas
Requerem meus dentes raros,
Trago um riso longe de moleque
E vagaroso como seus drinques,
Com que festejas, minha pobreza
Um necessário quadro à sua sala
Um cenário melancólico ao teu motivo
No meu lugar estou eu de uniforme
No teu lugar estás tu improdutivo
A festa é nossa e quero um copo
Muito mais que meu assento de chofer
Sua fala é branca e purulenta,
Bafeja no cálice da comunhão
Seus olhos são frios como os cubos,
E suas mãos, ambíguas como esmolas
Avarento criaste a distinção
E cego domaste tanto suor.
Eu te vomito
Burguês apastelado
Cat-chup, os desvalidos.
*AMBIVALÊNCIA*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Se fiz de mim um engenho
Que fosse lírico e dividido,
Restou o consolo do empenho,
De tê-lo na verdade mais fingido
De todas as gotículas esparsas,
De tudo o que foi nobre ou espúrio
De nuvens brancas como farsas,
Um engenho mais sutil do que luxúrico
Inda que me acabasse por fazer,
De tanta coisa como a lua fria,
Que sabe à tempo esconder,
Do brilho envolvente da agonia
Inda que essa nuvem etílica
Desse empenho que é dois versos,
Essa fumaça constante de exílio,
À contrapor meus universos.
Por mais empenhado que eu esteja
No fluir desse engenho construído
Não chora minh´alma que festeja
Sobre os escombros, dele destruído
Para que o amor não seja uma ilusão,
Tão fácil e à mercê de linha reta
Para que a morte seja uma canção
Curva, impossível e incorreta
Um engenho que tão fútil,
Me faça um deus tirano e louco,
Para que todo bem eu ache útil
E todo mal eu ache pouco
Contradição de tanto sentimento
Um Deus que se esquecesse porque quer
Sem medo e sem ressentimento,
Pudesse se entender como quiser
Entre ódio e ternura tenham ambos
E ter-me sempre entre a vida e a morte
Corajoso, cruel e noctâmbulo,
Perdido de sonho entre o sul e o norte
Para que em cada grau de divisão,
Inteiro me fizesse repartido,
Um conchave traidor, de união
E vencendo me esquecesse do vencido.
Já que o tempo se esconde embora exista
Não pude na verdade tê-lo à mão,
Não quero no deságüe tê-lo à vista
Quando sem tempo de pecar ou de perdão
Que não me fizesse bêbado esse engenho,
Um sóbrio refúgio da realidade
O mistério embutido nesse empenho,
É aceitá-lo, como fingimento da verdade.
BREU DO TEMPO
Eliezer Soares de Souza
Inverno num cenário de corpos, desabrigados,
Incoerente como perdão óbvio,
de amor paixão, cego masoquista.
O tempo desfia imprestável,
como uma blusa de lã no lixo.
O vento traz a pele arrepiada,
O cadavérico pomar sob um menstruado céu
invade qualquer coisa da casa de outrora
E assim num sol espavorido,
únicas crentes em fantasias
as abelhas tingem o absurdo
à voltear nossos escombros
Mas todo mel de toda asa
não adoça o véu, amargo
da vida deflorada pela noite.
(SILÊNCIO)
ELIEZER SOARES DE SOUZA
No escuro impenetrável
Sei da estante com milhares de versos
E tentativas como os presentes
Que dei-te -a mim mesmo-
Propositadamente traiçoeiro.
Suspiro insofismável
A brisa estéril da certeza, ardilosa vaidade
Sei de minhas e mais juras
Que encontraram eco em ouvidos anônimos ou não
E nas camas cheias, contrárias agora,
Sem muita diferença como estar vivo
Em perpétuo suicídio, vertigem
De pesadelo, queda na água fria
Sei da possibilidade de ser frio
Mas minha criança está morta
Desde que, deliberadamente propenso
Auscultei conivente taquicardia
Nem será uma ducha fria a essas horas,
Nem o ronronar de uma gata melindrosa
Me sei sem jeito para os afagos
Pelos úmidos da vida fácil e lasciva,
Embrenhados pelos corrimãos e corredores
Sei de estar só e sem palavras
O silêncio verídico é como estar bêbado
E sorridente para a sobriedade imerecida
De seres lógicos e seres mais
Quando sem muita convicção
Empurrei algumas portas
Aparentemente sedutoras para os cômodos vazios,
As luzes foram promessas incômodas
Das bocas vazias de cumprimento
Com risos comiserativos nas comissuras
Ouço o tempo escoando em tic-tacs.
Sei de minha cama de linho
Com rabiscos e motivos infantis
Além de minha morte anunciada
Com etéreos e perenes obscenidades
Sem a maldição verbal;
Continência ilusória do coração
Perceptível insistindo no recinto
Hermeticamente com intenção travado
Sei, quase dorida e prazerosamente do roído
Ambivalência que rói e perturba a noite
Sacos de papel, restos de qualquer coisa
Digerível no armário
Única verdade gritante
Como porto de onde fugi há pouco
E em outra noite
*À IGREJA*
ELIEZER SOARES DE SOUZA
Eu sempre achei sinistrosas as catedrais
Me lembram silenciosos cemitérios
Onde esquecido de milhões de hemisférios
Que há no infinito, ficaram seus pecados capitais
Tão horríveis como incestos maternais
A plebe ignorante e submissa
Que se ajoelha, come o pão, bebe o vinho, reza a sua missa
E adora o próprio Cristo nas batinas sacerdotais
Ah! Essa turba, que há de se enganar eternamente
E há de vagar no enganoso engenho, irmanadamente
Não sabe que por trás de tuas alvíssimas cortinas
Que esconde o Messias crucificado
Que depois de reinar, indo irressuscitado
Já esconderam beliscências fedorentas de latrinas