Almas...

Rasguei a alma em duas metades...

Onde vou, levo sempre uma na algibeira...

Vejo que a outra, por ter próprias vontades,

Procura o teu peito, e lá dorme a noite inteira!

Contigo fica a metade recatada e pensadora...

Comigo anda sempre a que sonha e se ilude...

Junto a mim anda a metade pecadora!

E contigo fica a que reza para que eu mude...

Não se juntam nem são farinha igual.

São como os dedos da mesma mão!

São fogo e água, algodão e metal

São o tudo do nada que me alimenta a solidão!

São almas de uma alma que não se funde,

que vive em paralelo entre a ilusão e o atrito...

São os humores de um humor que me confunde,

são os abraços que o carinho dá ao conflito...

Tenho duas almas que são uma em metades...

Iguais ou desiguais, já nem sei bem...

Fazem em mim todo o tipo de maldades!

Fazem de mim aquilo que lhes convém...

Hás-de dar-me a metade que abrigas,

deixar que ela se una ao meu peito,

e para isso basta que lhe digas,

que também dormirá bem no meu leito!

Mandarei a minha para que te leve revolução

deixarei que lhe experimentes a irreverência

trocaremos as metades para sentir a emoção

de viver algo novo sem pedir clemência!

Vem também, que tenho saudades

vem que, por vezes, sinto falta de ti

vem juntar as nossas metades

neste corpo só em que me converti...

Jacinto Valente
Enviado por Jacinto Valente em 03/01/2011
Reeditado em 17/02/2021
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