CARTAS DE AMOR - II - o escrevedor

Homens tristes, olhos encovados

Faces macilentas, noites de segredo

Andando pelas ruas atrás de cigarro

Que os acompanhe em seu desterro

Ritual de amor oculto nas trevas

Coração, chaga que não fecha

Passo a passo pelas alamedas

Que nada dizem à alma cega

Cavoucando guardados enterrados

Sob toneladas de papéis envelhecidos

Antiguidades que nada têm de raro

Querendo reviver o há muito esquecido

Depois de cumpridos todos os ritos

Senta-se no quarto em brasa

Convoca deuses esquecidos

Inicia com floreios uma carta

Carta de amor se escreve à noite

No silencio das rodas da lembrança

Erguendo as costas do açoite

Permitindo-se ares de bonança

O coração se acalma da arritmia

As mãos tornam-se rochas milenares

O rosto se abre em repentina alegria

Tendo a sombra amada por companhia

A carta de amor faz bem ao remetente

Mas mais bem faz a quem a remete

Que amor que é amor é amado sempre

Retirando os amados do mundo dos ausentes

Não importa quem a receba, ou quando

O importante é que se a escreva com amor

Mesmo que voltem, voltarão amando

Mesmo que entristeça o escrevedor

Carta de amor, quando o amor é amado

Com muito cuidado, escreve-se à mão

Para que chegue cheia de bordados

Para ser guardada dentro do coração

E um dia, quando for hora de abandono

Será a carta de amor que trará algum sentido

Fará com que uma lembrança seja sonho

Para viver mais um dia pelo amor um dia vivido

Escrevo cartas de amor todos os dias

Mesmo que seja para não serem lidas

Mesmo assim as escrevo todos os dias

Que declarar amor é o que salva a minha vida