A FALTA QUE MATA
A falta me obriga ao caminho inverso:
Penetro mais e mais em mim à procura de ti
Como se fora tu parte inescusável, órgão, nervo vago
Que manda o afogado aspirar o que finda.
À medida em que descubro o universo
Que o amor construiu dentro de mim
A ebulição desordenada dos hormônios
Que detestam as ausências que os desequilibram;
As sentenças de morte que o cérebro acha perceber
Respondendo com perigo para o corpo que já cede
Às tantas investidas, adoentando-se tristeza,
Vou entendendo que o amor não vive da presença
Mas da certeza de que não estarás ausente.
O amor é viciante. A síndrome de abstinência
Revela-se na insônia pela tua falta,
Nessa morte que não mata, mas que ameaça
E suspende qualquer expectativa de vida.
Sinto no corpo, já involuntário, um pedido:
A certeza do afago, clemência de um sorriso
Que afaste a duvida de estar, ou não, vivo.
A falta é mensagem de morte que o sentimento envia
Enganando o organismo que se surpreende:
Células enlouquecem, neurônios se perdem
Radicais livres oxidam núcleos inocentes.
O corredor da casa se alonga ao infinito
Que eu, prostrado, não consigo atravessar
Para socorrer-me nas lembranças que aliviam
Todos os sintomas de morte urgente
Que a tua falta constrói meticulosamente:
Cartas, fotos, cheiros que medicam.
O amor é droga que estabiliza as energias
Normaliza as sinapses que acalmam
Todo o organismo que depende da tua presença.
A falta enlouquece meioses e mitoses
Que multiplicam células anômalas
Desesperadas que inventam doenças
Que os médicos investigam, classificam;
eu entendo os males como fruto da ausência.
Os diagnósticos, após anamneses, exames, positivam
Recebo sem temor guias azuis para medicamentos
Que, asseguram, aliviarão dos sofrimentos
As farmácias não vendem teu cheiro em essência
A serotonina dos teus braços me cercando de felicidade
Carrego para casa os placebos aviados pela ciência
Consciente de que minhas dores se chamam ausência
O sofrimento que aos poucos impede de viver
Prova que o amor que ama é o que faz sofrer
Vírus, achega-se ao outro, engana linfócitos T
Reproduz-se aceleradamente em cada núcleo
Espalha-se pelo corpo enganando a razão:
O amor, contrariando poetas, não vem do coração.
Entrou de ti em mim, poros, tato, visão
Enganou os sentidos, envenenou as certezas
Multiplicou-se tanto que existes mais em mim
Do que poderia supor. Ou permitir.
pula dos poros para as veias
invade o corpo que incendeia
exigindo doses maciças que aliviam
de uma vida inteira sem existir.
Sentado neste escuro, olhando a cidade
Vou entendendo, resignadamente,
que me viciei em ti, esqueci de mim
que sou capaz de qualquer loucura
para me drogar novamente
com teus sorriso, teus carinhos
que o corpo chama de felicidade