ÁSPERA LINGUAGEM
Todos os poetas são solidariamente masoquistas.
Sofrem deliberada, exasperadamente,
a mesma linguagem áspera da bofetada no rosto.
Dessa dor provém o canto.
Produto da alegria de saber cantar,
o essencial é o canto.
Eu afago o teu bilhete desta noite
com o amor tesão que ele contém.
A máscara da emoção é meu ofício:
brigar com as palavras e delas tirar o gozo,
a ejaculação precoce,
antes de deitar a teu lado
como um menino que vai pro sacrifício
de não tocar no seio da mãe,
mesmo que haja mordido
esse velho e conhecido seio
aos gritos dolorosos de quem está com fome
e suga desesperado o fio da vida.
Assim, tudo tem antecedente.
Hoje foi o teu bilhete
e esse amor que gastamos
parcimoniosamente.
Eu sei que ele se renova
a cada vez que me convocas
ao desejo de me fazer feliz.
Eu me entrego ao prazer fugaz,
entre cobertas e ursinhos de pelúcia.
Dar-te um beijo, leve e como a brisa
e ver teus olhos sorrirem fundo,
zelosos de amar.
– Do livro O POÇO DAS ALMAS. Pelotas: Editora da Universidade Federal, 2000, p. 28:9.
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/2681325