DOMINGO

(Para lembrar Airton Senna)

Voar era teu vício

E a obsessão da vitória teu enigma

Silêncio

O silêncio das reticências moucas

O silêncio das despedidas roucas

Il Silenzio soluçado em lágrimas de clarinetas

Tudo desmanchou-se em silêncios naquele domingo

Em que o tempo parou num muro manchado de fatalidade

Destrabalhávamos descuidados

Enquanto toureavas a morte com a destreza de uma bailarina de truz

Porque tua vida era velejar em cirandas de rolimã

Levando nos teus olhos cor de óleo

O orgulho inquebrantável das gentes tupiniquins

Lembro-me de tua mão em luvas de pelica

Conduzindo a nave na velocidade de nossos sonhos

Vestias de louros a honra de um povo acostumado à canga e à cruz

E provavas ao mundo o quanto podíamos ser sublimes

Mas veio o domingo

E com ele a sombra imensa de uma foice em fogo

Para rastelar de volta ao Olimpo o último dos pares de Enéias

(Era na pátria de Garibaldi – crianças se riam - ventava)

Uma curva desfeita e a mandíbula cruel do acaso

Cravou-se em tua medula inocente

O maestro guardou sua batuta

O poeta recolheu sua lira

A arte calou seu gênio

Um rei quedara morto nos campos de batalha

Ante os olhos impotentes de milhares de súditos estarrecidos

E nossos domingos que amanheciam orvalhados de champanhe

Para o resto de nossas vidas

Hão de encerrar um gosto amargo de ressaca

E a incomensurável tragédia de um palco vazio

José Martino
Enviado por José Martino em 18/10/2006
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