DOMINGO
(Para lembrar Airton Senna)
Voar era teu vício
E a obsessão da vitória teu enigma
Silêncio
O silêncio das reticências moucas
O silêncio das despedidas roucas
Il Silenzio soluçado em lágrimas de clarinetas
Tudo desmanchou-se em silêncios naquele domingo
Em que o tempo parou num muro manchado de fatalidade
Destrabalhávamos descuidados
Enquanto toureavas a morte com a destreza de uma bailarina de truz
Porque tua vida era velejar em cirandas de rolimã
Levando nos teus olhos cor de óleo
O orgulho inquebrantável das gentes tupiniquins
Lembro-me de tua mão em luvas de pelica
Conduzindo a nave na velocidade de nossos sonhos
Vestias de louros a honra de um povo acostumado à canga e à cruz
E provavas ao mundo o quanto podíamos ser sublimes
Mas veio o domingo
E com ele a sombra imensa de uma foice em fogo
Para rastelar de volta ao Olimpo o último dos pares de Enéias
(Era na pátria de Garibaldi – crianças se riam - ventava)
Uma curva desfeita e a mandíbula cruel do acaso
Cravou-se em tua medula inocente
O maestro guardou sua batuta
O poeta recolheu sua lira
A arte calou seu gênio
Um rei quedara morto nos campos de batalha
Ante os olhos impotentes de milhares de súditos estarrecidos
E nossos domingos que amanheciam orvalhados de champanhe
Para o resto de nossas vidas
Hão de encerrar um gosto amargo de ressaca
E a incomensurável tragédia de um palco vazio