A sala
Eu era alguém? Porventura, teria sido fundamental na vida de quem dividia comigo uma sala, uma vida? O que na verdade eu fui pra família, deitado no chão da sala em noites de descanso? Que espaço ocupou o tempo da deusa que amarrei comigo na sala? Hoje, eu olho para um canto da outra sala onde caí por sobre as suas mobílias, assustado de vê-la tão vazia de vida, tão ressecada de esperanças, que nem responde às minhas perguntas. Tivesse igualmente subtraída de objetos, devolveria ao menos o eco das minhas palavras.
A sala dá de janela para outra sala decididamente ausente da minha pessoa. Não interessa à habitante desta sala em frente da minha, o que sinto, se sou boa gente, se tenho carinho, ou, se sou brutamontes, tarado, veado, pedófilo, assexuado. Também a mim não interessa tamanho desinteresse, mesmo que a dona de tal desprezo fosse a dona do sol nascente.
A sala, porém, que me tem aquém da janela não esconde que a dor que se abriga em minha alma às vezes vira nostalgia de onde escorrem águas e mágoas; e liras e lágrimas; quando a tosse que dela resulta acorda os vizinhos com tanto barulho.
Uma sala que fica no outro lado da cidade; se lhe batem à porta late um cão. Um cãozinho que faz companhia à rainha que outrora fora única. A única a habitar a sala comum de onde partiu um, para habitar outra sala distante e vazia.