CINZENTO VÉU
Val-Larbacky

A porta permanece encostada e a lembrança me traz sua voz suave em sorriso inteiro trazendo a costumeira saudação. Mas o que ouço a cada vaivém do entra-e-sai não passa de insossos cumprimentos prenunciando um dia apressado de sexta-feira. O velho e bem conservado graham bell sobre a minha mesa de trabalho permanece silente na manhã que pulsa veloz.
Na mesinha em estilo rétro repousa a parker 51 sobre a agenda azul-real, formando bonito contraste com a parede verde quadro-de-giz em que seu retrato em branco e preto parece olhar a escada que sobe, mas espia quem já vai ao fim de mais um dia de trabalho na grande indústria sinônimo de bebida... Inicia-se o silêncio na rua do marquês, enquanto, rapidamente, as filas esticam-se por todos os lados... Cadê os bondes articulados? E os papa-filas, onde estão? Ah! Ficaram para trás, numa assinatura em papel amarelecido; passaram pelo tempo. Moram num timbre de autoridade.
Agora, o trem elétrico parte de sob a torre do grande relógio e desejo que se apresse ao encontro de outra jornada que me leve a mais uma aurora, e espera...
E estou só no imenso vazio dos corredores e salas a ouvir a sonoridade neurotizante de motores e buzinas e das rodas de ferro dos trens de ferro nos trilhos de ferro... Que levam seres maquinizados, estupidificados, para lugar nenhum. Pobres inocentes! E na sala tudo é individual além das carteiras de coral matiz agrupadas como as pessoas, mas individuais. Porque nelas se distribuem seres individualizados. Que já não olham a lua nem o dourado piscar das estrelas no cinzento véu, que já poucas vezes se apresenta azul.
Meu manacá distante é uma bela lembrança no perfume guardado com carinho e que trago em mim do jardim da minha infância. Aqui, sou feito peça no grande xadrez do piso da sala de aula.
O Ateneu recinto, de excelso professor, cumpre o ideal de manter acesa a chama de Lisboa (e de Coimbra), em meio a cadeiras de nuanças diversas para variados quereres e necessidades...
Hoje, personifiquei o silêncio e ele está a ouvir as regras do jogo... Sob a mira atenta de sorumbático-nebulento-intruso num canto à espreita.


Val Larbacky
Enviado por Val Larbacky em 24/11/2010
Reeditado em 24/01/2012
Código do texto: T2634013
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