Uma (Nada) Doce e Mordaz Rotina

Faltam 22 minutos pras seis

e o telefone toca e é uma tal

de Sabrina

que fala por cinco minutos sem parar

e não fala nada misturado à

porra nenhuma que se aproveite e

desliga sem agradecer

após eu,

pacientemente, ouvi-la

e resolver seu problema.

Faltam cinco pras seis e já falei com Fabiana, Cíntia, Rômulo, Eduardo, Ananias, Cibele, Andréia, Marcos, Reginaldo e

até o sádico relógio cravar os ponteiros

indicando as aguardadas seis horas

ainda vou falar com Fábio, Renata, Gisele e Bernardo.

Eles ganham de 4 a 5 vezes

mais

do que eu e tem

acesso

às mesmas informações que eu forneço

e só me ligam por que tem

preguiça de pensar.

Às cinco e cinqüenta e nove e quarenta e oito

segundos

uma tal Vanessa me liga

pra falar a respeito do financiamento

do Porsche de um tal Abelardo

Que ganha por mês o montante

que eu demoraria oito anos para

juntar -

oito anos na base da bolacha água e sal,

devo dizer.

O problema do Seu Abelardo é que

o sistema não está acostumado

com parcelas de cinco dígitos e

a Vanessa pensa

que a inconsistência na quarta casa

decimal

é um problema meu e não tem

piedade dos meus tímpanos e faz um

barraco de dez minutos - o que me

faz lembrar que já perdi

o ônibus.

Resolvo o problema às

seis e quinze e garanto a viagem

à Ilha de Caras do Seu Abelardo e

também a comissão

da Vanessa - que assim como a Irene, a Sandra e o Jose, foi-se sem me agradecer.

Às seis e vinte e cinco estou na

rua

e chove e estou com o tênis que tem

a sola furada e

com a meia empapada caminho

em direção ao caixa eletrônico para

sacar (do cheque especial) o

dinheiro

pra carregar o Bilhete Único e pegar o ônibus

cheio

com as janelas fechadas

com o ar viciado

com as crianças comendo

salgadinho Cheetos de queijo;

atravancado no meio do mar

de carros

pra chegar em casa e

dormir

pra fazer o mesmo no dia

seguinte.

Pois existem muitos Abelardos

necessitando de um carro

novo

e tem também

a Maria de Curitiba

O José de Manaus

A Aguiluzia de Belém

A Débora de Recife

A Mari de Campina Grande

e o Léo

de Brasília,

precisando de comissão e da

mente e do tempo e da paciência

e dedicação

de um Rafael

de um Marcelo

de uma Sueli

de uma Carol

e de

uma Priscila;

todos da Zona Leste

de São Paulo

Que se perguntam se

terão

um dia

a oportunidade de

poder

voltar a sonhar

com algo melhor.

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 23/11/2010
Código do texto: T2632772
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