Deuses e galinhas
Os deuses têm falado
Desde o início de nossa meninice
Até agora, ante os portais de nossos fios brancos
Tudo é tao simples
Tudo é tao simples.
Os homens querem saber o início
Os deuses contaram
Os homens querem o meio
Os deuses falaram
E diante do que fizeram
Com o que souberam
Quando os homens perguntaram
Pelo final
Os deuses calaram.
E calaram fundo
E calaram feio
E calaram para sempre
Sem delongas e sem poesias.
E eles me contaram
Quando fiz por demais viagem
Que me levou trôpego e sem nada
A seus batentes infames de tao escusos.
Mas eu, estupefata e doida
Emudeci desse dia em diante
E escrever esqueci
E os olhos se me ficam parados
Como dois faroletes no nevoeiro
De um sertão cruento
Sem decifrações.
Quando me perguntam, rio
Saio batendo asas
Que nem galinha sem valor
Quando bota ovo sai avisando
O céu vai cair o céu vai cair
Que todo mundo se salve
Num alvoroço.
E chamam-na louca
E chamam-na putana
E chamam-na insensata
Sou eu a galinha que roda
No meio do terreiro
Sem atrapalhar e sem ajudar
Vendo o que é real atrás da cerca
Que pintam com cores ano após ano
Vendo o que é real dentro dos cestos
Que enchem com ovo, com verdura, com cereal
Eles ninguém não sabem sequer imaginam
E quando afirmam achando que sabem
Saio batendo asas
Que nem galinha sem valor
Quando bota ovo sai avisando
O céu vai cair o céu vai cair
Que todo mundo se salve
E chamam-na louca
E chaman-na putana
E chaman-na insensata
Sou eu a galinha que roda
No meio do terreiro
Rindo delicadamente
Deles
Quando aquietam
Confiantes de que sou a galinha
E me recolho ao galinheiro.
Os deuses têm falado
Desde o início de nossa meninice
Até agora, ante os portais de nossos fios brancos
Tudo é tao simples
Tudo é tao simples.