Conivência
CONIVÊNCIA
O coração e a visão tanto aprontam
que, no ato, não atina a razão;
no caminho a verdade, inda, desponta
pouco a pouco desnudando a ilusão.
Assim como as marcas feitas na areia
de imediato, são pela onda apagadas
confundem, burlam e indefinem, na razão,
quem carrega e quem nos ombros é levado.
Assim, é que as falsas ilusões insanas
de ter riqueza e de na vida subir
a qualquer preço, não importa por qual vias
mascaram, falseiam e, na areia, edificam
sonhos e almejos em castelos a ruir.
Num mundo roto, todo envolto em aparências,
onde a ética da vida é afrontada,
pouco me dói conviver com a descrença
de tantas vidas, do direito alijadas.
Ao Poder vemos alçados os espertos,
os “gente boa” que lá em cima colocamos,
para criar e defender podres projetos
para os quais, também nós, pouco ligamos.
Ai de tantos de nós, fariseus hipócritas!
Ai de tantos de vós, sepulcros caiados!
transmudais, roubais e usais tanta retórica,
e os coniventes lábios, quedam selados.
Não percebem ou parecem ignorar
tanto arroubo de crueldade e inclemência;
e a violência em não cobrar e espernear,
sinaliza e aponta a morte da consciência.