MAIS UMA VEZ, SÍSIFO
MENÇÃO HONROSA DO XX PRÊMIO MOUTONNÉE DE POESIA 2010
MAIS UMA VEZ, SÍSIFO
Márcia Etelli Coelho
Na página marcada, não mudei o disco.
A taça está vazia. Cruel é a lucidez.
Na mesmice selada, fiquei mais arisco.
Ao raiar do dia, tudo acontece outra vez.
Hoje eu acordei Sísifo, em louco sufoco,
a empurrar uma pedra na íngreme montanha.
Pra aumentar o suplício, não atingi o topo.
No rolar dessa pedra, repetiu-se o drama.
É tão trágica a sina que o mito revive:
Pra findar o castigo, sempre falta um triz.
Minha lágrima ensina: nem tudo é possível.
Quase encontrei meu ninho, quase eu fui feliz.
Com o olhar posto ao chão, nem sempre me acomodo.
Com grande fardo eu luto... Pra quê? Pra nada!
Na triste solidão, tudo jaz ao seu modo.
Tento mudar o rumo... Volto à mesma estrada.
Mas a roda do tempo me fez ser criança.
Sísifo se prepara para a árdua tarefa.
Apesar do tormento, devolve a esperança
que perdida eu julgara na longa quimera.
No absurdo real que a poesia ensaiou
vi Sísifo ao sopé, cansado, mas contente.
Na centelha imortal que alivia toda dor,
ele segue com fé... Será, hoje, diferente!
A minha alma, encantada, não mais se entristece.
Descobriu a magia na estranha insensatez.
Se, através da jornada, a vida se enobrece,
eu abraço esse dia e... começo tudo outra vez.
“... Deixo Sísifo no sopé da montanha! Sempre se reencontra seu fardo. Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e levanta os rochedos. Ele também acha que tudo está bem. Esse universo doravante sem senhor não lhe parece nem estéril nem fútil. Cada um dos grãos dessa pedra, cada clarão mineral dessa montanha cheia de noite, só para ele forma um mundo. A própria luta em direção aos cimos é suficiente para preencher um coração humano. É preciso imaginar Sísifo feliz.... “
(ALBERT CAMUS – O MITO DE SÍSIFO – ENSAIO SOBRE O ABSURDO – 1942)