O rio da minha aldeia
O rio que passa pela minha aldeia não é maior nem mais belo
que o Tejo.
Só agora vejo.
O rio que passa pela minha aldeia
E triste e sujo e pequenino como só poderia ser
o rio que passa pela minha aldeia.
O rio que passa pela minha aldeia
Não passa por aldeia nenhuma.
Aliás, o rio,
O pequeno rio que passa pela minha aldeia,
Não chega nem a ser um rio,
Quando muito, um córrego,
um córrego feio
cortando os subúrbios.
O pequeno rio que passa pela minha aldeia,
Chamam-no - os homens - de "Bosteiro",
Conhece apenas as vidas amargas encerradas em casas escuras
e casebres imundos
de gente esquecida
às margens do mundo.
E por lá ele corre-vendo - antes - se arrasta
sôfrego, quase parando,
quase morrendo.
O mundo inteiro passa pelo rio da minha aldeia.
A merda que desce dos
esgotos garrafas vazias
sapatos velhos usados
balas baratas bacias e tudo.
Só não passa por ele
peixe boto sereia e menino
e outros bichos do mato-fundo.
Não obstante,
O mundo inteiro passa pelo rio da minha aldeia,
O mundo inteirinho.
Além de tudo,
De tudo isso,
No rio da minha aldeia
Nem aldeia eu tenho.
***
* esse poema é uma releitura (ou paródia) de Alberto Caeiro.