O rio da minha aldeia

O rio que passa pela minha aldeia não é maior nem mais belo

que o Tejo.

Só agora vejo.

O rio que passa pela minha aldeia

E triste e sujo e pequenino como só poderia ser

o rio que passa pela minha aldeia.

O rio que passa pela minha aldeia

Não passa por aldeia nenhuma.

Aliás, o rio,

O pequeno rio que passa pela minha aldeia,

Não chega nem a ser um rio,

Quando muito, um córrego,

um córrego feio

cortando os subúrbios.

O pequeno rio que passa pela minha aldeia,

Chamam-no - os homens - de "Bosteiro",

Conhece apenas as vidas amargas encerradas em casas escuras

e casebres imundos

de gente esquecida

às margens do mundo.

E por lá ele corre-vendo - antes - se arrasta

sôfrego, quase parando,

quase morrendo.

O mundo inteiro passa pelo rio da minha aldeia.

A merda que desce dos

esgotos garrafas vazias

sapatos velhos usados

balas baratas bacias e tudo.

Só não passa por ele

peixe boto sereia e menino

e outros bichos do mato-fundo.

Não obstante,

O mundo inteiro passa pelo rio da minha aldeia,

O mundo inteirinho.

Além de tudo,

De tudo isso,

No rio da minha aldeia

Nem aldeia eu tenho.

***

* esse poema é uma releitura (ou paródia) de Alberto Caeiro.

Alex Canuto de Melo
Enviado por Alex Canuto de Melo em 13/11/2010
Reeditado em 02/12/2010
Código do texto: T2613309
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