O pássaro

Um pássaro entrou em minha casa,

como tenho uma grade na janela,

ambos aprisionados ficámos,

assustado

voou descoordenado,

desorientado,

passado um tempo infinito pousou em cima do gordo Buda

de jade vermelha,

arfava cansado,

encurralado, sem saída visível,

continuei no meu recolhimento,

pensamentos distantes em tarde escura,

imaginando pessoas, sentimentos, mundos outros,

saudades desconhecidas,

terras em aventuras distantes.

Acordei com o telefone a tocar,

um amigo gritava,

“- Eu vi, eu vi um pássaro com o Buda,

eu vi

aqui,

passou por mim.”

Desliguei,

ri então,

afinal,

a liberdade acompanhada é a melhor fuga.

(Relembrei-me hoje do enorme poeta português Eugénio de Andrade 1923-2005, da sua obra e particularmente de um texto Alegretto Scherzando, que transcrevo:

“ Aqui tenho árvores próximas, posso ir à varanda, a luz crepuscular costuma demorar-se nos ramos. Mas hoje, mal abri as persianas, um estorninho entrou na sala, deu algumas voltas rápidas a reconhecer o terreno, depois poisou no piano, próximo do Mozart. Cheio de curiosidade, perguntava-me o que iria acontecer. Qual deles começaria a cantar? Mas o telefone tocou, fui atender, queriam saber se naquele lado do mundo se avistava no céu algum objecto brilhante, e, quando voltei já o Mozart e o estorninho haviam partido”)

Sem mais palavras,

apenas,

até um dia destes José Fontinhas.