O TROFÉU
Não sabia que crime tinha cometido
ao ver-se preso, apesar das janelas
por todas as paredes que o cercavam.
Tinha uma vaga lembrança do momento
arbitrário de seu encarceramento, coitado,
mas ainda assim uma lembrança esmaecida.
A imagem perfeita e completa que surgia
em sua mente era do céu azul, do chão
fragmentado, as folhas confusas, as delgadas
árvores, o infinito horizonte que se descortinava
adiante.
Não saberia jamais o motivo da prisão.
Caminhava freneticamente de um lado
para o outro cabisbaixo, com o olhar
de quem indaga, questiona, aquela enorme
interrogação estampada na testa, olhando pelas frestas
das grades intransponíveis.
Poderia sim, viajar até o quartinho de dormir
e nada mais. Poderia representar estar indo
de um país ao outro.
Algumas horas de passeio para tomar sol
e uma brisa passageira.
Algumas horas em que poderia vislumbrar
os outros, livres, desempedidos, cuja sina
é a liberdade, cujo prazer é ir e vir até
que venha o último fôlego.
Não queria sentir pena de si mesmo, suspirava
fundo e cantava sua desgraça, recordando
o prazer que sentia nesses momentos de cantoria.
Tentava, coitado, sentir o gosto pulsante
o gosto pulsante, pulsante, pulsante
do suor escorrendo pela cara delicada e
penetrando em sua língua, quando podia
sorver uma sombra, aliviado, quando podia
sentir o odor único de uma flor, a tradução
total de sua existência curta e belíssima e tão
delicadinha como suas asas cobertas pelas
penas marrons outrora verdes, outrora brancas,
e agora pálidas e esmaecidas.
Era como se houvesse acordado de um sonho
e adentrado em um pesadelo.
Quando o esqueciam sob o sol, era o desespero
em forma de canto, a súplica em forma
de música. Restava esperar, adentrar o quartinho
e esperar que Deus, lá nos céus, calado,
lhe desse atenção, que saísse de seu descanso
e se incomodasse com seu ínfimo rogo.
Que Ele, que Sua infinita imaginação, criatividade,
poder, sabedoria, sua delicadeza e sua
assustadora sutileza pudesse dar cabo daqueles dias
de enfeite das paredes. Elas servem para os santos
de barro e gesso, para as fotografias esmaecidas,
para as irmãs aranhas que tecem fio a fio as tramas
que enredam as presas.
Qual presa, insone nos fios da teia quadrada
de metal e madeira. Ele aproxima-se com a boca
cheia e lhe cospe água e saliva, numa tentativa
de imitar a chuva cintilante que cai dos céus
pelas nuvenzinhas espremidas e livres, que,
diferente dele, podem ir e vir quando dá na telha.
Debalde seria qualquer tentativa de fuga.
Em sua prisão, a única saída é a fuga
para dentro.
De si mesmo.