CANÇÃO DOS EXILADOS (Parodiando Gonçalves Dias)
CANÇÃO DOS EXILADOS (Parodiando Gonçalves Dias)
Minha terra não tem palmeiras.
Tem parteiras carniceiras
Que nos úteros azarados
Injetam veneno e dor.
Refugiados, assombrados,
Do seu chão, escorraçados...
Século XXI: horror!...
Minha terra não tem palmeiras.
Tem Palmiras, Alziras e Ciças,
Moças à vista, a prazo,
Os coronéis, filhos do atraso.
Meninas que o mundo adora:
São as Cleusas e as Floras
Que não assume: CRUCIFICA!...
Minha terra não tem palmeiras.
Tem xiquexique, angico,
Lobeiro, mandacaru,
Quiabento e carrapicho.
Tem lambe-beiço, juá,
Unha-de-gato, surucucu,
A juremeira e o quipá.
A minha terra não tem palmeiras,
Nem sombra nem água fresca.
Não tem aves que gorjeiam
Como as que gorjeiam lá.
Minha terra virou besta
Como mula-sem-cabeça
Vaga: número solto sem par.
A minha terra não tem palmeiras
Nem palmito ou pessegueiro.
O meu sabiá é triste,
Passa os dias no poleiro.
O seu canto, coitadinho!
Não é mais um passarinho:
Tornou-se prisioneiro.
Cerca o homem o poleiro,
Poleiro que castra o homem,
Homem que faz poleiros
E prende o sabiá.
Perverso e sorrateiro,
Sufoca o seu cantar.
Minha terra não tem palmeiras
Nem outra árvore ou pomo.
Coalhada de sangue a horta,
Minha terra-fechadura
Mesmo sem ter a porta.
Criança, cabeça dura,
Mata o real, estupra sonhos.
Filhos nascidos, persegue,
Filhos alheios ela toma;
Na procissão ela segue
E sem nenhuma vergonha
Os nascituros, aborta.
Os deuses duros, engessados,
Perfumam-se em fétidos odores
E nas mais bonitas roupas
Rezam a bíblia dos senhores;
Vomitam verbos ensebados,
Derramam fezes das bocas.
A minha terra não tem primores.
Tem primatas primitivos,
Dráculas com cruz na mão;
Farejar e matar:
Matar para comer,
Comer pra não morrer
E morrer para não ver
O quanto viveu em vão.
E no vão triste do ninho
Vão prostitutas do Poder,
Exalando os pútreos odores.
Os restos do sabiá
Bem longe de seus amores,
Sacudindo suas penas (que pena!)
O sabiá escolhe entre o mal e o mal
E na triste valsa dos doutores
Vai esconder suas penas
Nas cinzas do carnaval.
A minha terra tem “primores,”
Luxo encobrindo o lixo
E do lixo os cobertores.
Tem gente vendida, comprando
Gente que serve de troco
Ao comércio dos doutores.
Tem gente que escolhe gente,
Travando batalha dura;
Famigerada equação
Onde vira bicho a criatura
E o bicho vira patrão.
Tem gente roendo gente
E ainda palita os dentes.
Tem a arma sem ter luta,
Tem cabresto sem conserto
E tem concerto sem música.
Tem os filhos do futuro
E tem os filhos da gruta;
Tem as casas do diabo:
Igrejas de deus comprado,
Pedágio pra cobrar multa.
Lá tudo tem dono:
As árvores, rios e ruas;
Do mundo tem os mordomos,
Pés descalços, mentes nuas.
Do povo, o grito calado,
O sorriso envergonhado,
Discurso que a VOZ amputa.
Lá a poesia odeia o verso,
O verso odeia a palavra.
A palavra odeia o som
E se cala.
Lá o banheiro é na sala
E a rima não tem dom.
A música é uma nota só
Sem melodia, sem som,
Soa muda que faz dó...
O dó dá dó, só ré, sem sol.
As cordas do violão quebrado,
O sabiá amordaçado
Foi cantar noutro telhado.
Cordeiros passivos, dementes.
(Coitado do animal!).
Cadê a voz, sabiá?
Não se prenda ao cativeiro!
O carcará é doente,
Frustrado, incompetente,
Liberdade! Sabiá!
Teu canto foi dado de graça,
Seus dados para alegrar
E não pra gerar desgraça.
Cantar, compor é divino
Mesmo com fome no ninho,
A dor, seu canto disfarça.
Não permita Deus que eu morra
Em voltando para lá.
Não quero ver sabiá
Mudo, surdo na prisão.
A tristeza e agonia
Pois o sabiá sabia
Não podia mais cantar.
Mas, sua alma poeta.
alçou vôo inquieta.
Sabiá não tem patrão,
nem peias, laços ou chão.
E, mesmo que incomode
sabiá sabe que pode
ganhar os céus: voar... voar...voar...