ANOTAÇÕES DA PASSAGEM DO TEMPO

Sou assim

pedaços de coisas contadas

espalhadas

sem máscaras

sem nomes

e clausuras com números às costas.

II

Resisto

sempre resistirei aos rótulos

aos limites da própria textura;

o arranhar-se, em mim

é um exercício de som

ritmo sobre a pele

tamborim rebatido

a cada carnaval.

Rodar, rodar, rodopiar é a ordem

fuga dos acordes

lugar comum

do estar assim,

bobo,

inebriado de vida

sorrires, risos, risotas

que as pessoas

(grandes)

forçam, numeradas.

III

Sou assim

um grande avesso sem cós

menino de infância permanente

veredas, sendas

onde percorrem carneirinhos.

Ah os sonhos

castelos, monstros, fantasmas

desacompanhados da Verdade!

Por falar mentirinhas,

seria capaz de rodar o mundo

com um dedo do pé.

Afinal, ora bolas,

isto tudo não passa

de uma imensa bola

jogada

jogadores em campos diversos.

IV

Exupéry, um dia,

criou raposas cativas,

autoridade, razão;

e onde, agora,

a lúcida austeridade

dos 33 anos,

em que o Cristo,

moageiro,

separou,

no dizer dos homens,

joio do trigo,

na mó do moinho?

Sou flor, primavera

no sorriso da Amada,

mais agora que dantes,

quando a descoberta era difícil

e as estações iam e vinham

roçando emoções

sobre o tapete do corpo.

E essa agonia:

ver o tempo

escavando espaços na face,

sulco dos próprios passos.

VI

Por fim,

o beijo da amada

que descobre véus,

máscaras,

contida:

sua inútil nudez.

E ao espelho

sorrio

tonto,

carência

de ser.

– Do livro O SÓTÃO DO MISTÉRIO. Porto Alegre: Sul-Americana, 1992, p. 17: 20.

http://www.recantodasletras.com.br/poesias/2604177