SAPATOS MOFADOS
sinto cheiro de jornal
de graxa
de garoa finada
de pelica rasgada
você passa por mim
e deixa um rastro
de salto comido
de cadarço partido
sinto cheiro de nugget
de meias lupo
de talco granado
em sapatos mofados
você chega
montado em pisantes
do centro da cidade
da banca de oportunidades
você carrega
pasta preta velha
cheia de papéis inúteis
de motivos fúteis
você se deita
os sapatos debaixo da cama
e o inebriante perfume de travesseiro
mistura-se ao mofo companheiro
acho que sonhas valsar
com alguém a bater-lhe no ombro
aninhando-se na tua proteção
guiando-te na escuridão
sinto cheiro de areia molhada
de chiclete pisado
de copo vazio
de gente no cio
você chega
montado em pisantes
de ponta estreita
da rua direita
sinto cheiro de amor
ainda que desbotado
de fruta e flor
de graxa incolor
você carrega
um presente esquecido
um embrulho amarrotado
um choro afogado
você se entrega
abandona os sapatos
deita-se no para-peito
e deixa que a gravidade
dê um jeito