SORRISO INFANTE

Eu quero o sorriso, infante poetico, que das mágoas se afeiçoou

A estradinha de terra ao longe da vida, no ermo das cores da lida

Pensando ser firme e concisa como a rocha na alta montanha

Tão precisa e medonha selvageria, nos prados onde ali se desvirtuaria

Naqueles bosques sorrindo mentiras, naquelas matas dizendo injurias

Nas cores de um negrume sangrento, de um príncipe com sangue nos olhos

De onde sorria a poesia, de onde surgia e se embebia

Firme e concisa como a padaria.

A padaria onde vejo a madame sacolejar seus pãezinhos não é mais a do Joaquim

É a de um mercadinho qualquer, pois a afronta daquelas antiguidades não se acompanhou à modernidade que agora enfrenta a mim

Mas e eu? E eu? Não sou Joaquim? Não digais isso a mim...

Não a mim... Não a mim...

Sou poeta, talvez pense isso.

Sou artista, talvez pense assim

Funcionário de uma não padaria, onde produzem papéis e não pãezinhos, onde produzem licitações de pãezinhos que não do Joaquim

Quanto a mim?

Não a mim...

Sou inútil dizendo ser útil

Sou sorriso pra enternecer.

Sou aurora deveras cansada... E às vezes calada, pergunto-me quem sou

Aurora? Que diabos é isso?

Nem madrugada, nem noite nem nada

Nem alvorada, nem dia nem tarde

Aurora?

Só no pensamento da estradinha, que galopa ruflos ares de um cavalo voador

Alado caminha apressado, sem pernas sem olhos sem cor

E vai até onde esboça essa fria melancolia

Onde se vê ao longe a padaria...

Lá de cima da montanha aonde vão meus sonhos

E de onde olham meus olhos

A encontrar a filha do padeiro

Loira e de olhos azuis encantados

Anis como o céu e doces como brigadeiro e mel

Sei lá, sei lá...

Aprecia-me nos sonhos provar-lhe assim

Pois de longe avisto o que nunca se me quer

É ela a mulher...

Mas é como a aurora... Quem é, quem foi?

Ela sorri a poesia, e eu príncipe de olhos airosos, penso que num verso absurdo encantaria qualquer mulher

Mas que mentiras são essas que me atêm a esse silêncio demente?

Se grito, estou calado

Se calo, estou fadado

Se fado, estou anojado

Se anojo, espectrado

Então numa cantoria espectral penso que me morri

Já não sou já não sou

Morri sem dizer pra onde fui

E agora me procuro na estradinha

Que dizer de mim à mocinha?

Não adianta sofrer tanta inutilidade

Não adianta querer tanto sem poder

Melhor não ter e não querer

Melhor não ver

Melhor morrer

Lá, lá pra cima dos bosques que se amontoam na casinha que fiz naquela montanha de sangue

Desce um choro constante que eu penso avermelhado

Não é sangue Maria, são as brotas dos olhos!

São as lágrimas de um grito surdo, de um mudo taciturno, de um pensador

Que queria apenas um sorriso criança

Sentir inocência nos ares da dor.

Que fazer se a mágoa se afeiçoou?

Olho para o Céu as estrelas que tontas

Estão todas sempre prontas a dizer milhares de palavras e nunca dizem nada

Veja só a noite no plenilúnio abobado, sempre citado, sempre calado

Diz coisas sem dizer, extático viver, feliz... (À porta segredam lágrimas os véus da noite)

Tudo pronto para seu diálogo, poeta!

Eis as estrelas, eis a Lua Cheia e formosa

Tão bela e tão viçosa

Como os dias danados de abril

Vai dizer o que poeta?

Agora que o cenário está pronto, agora que a moça sai á porta, agora que ela sorri

Direi: que sorriso é esse?

Monalisa também sorriu...

Vai pra onde essa estrada sem fim, que me traz amor amor amor amor amor

Basta! Sem fim...

Cavalos nela tropegam

Não, não cavalgam, não tropegam, não tropeçam...

Voam, voejam adejam

Que será isso? Realidade ou medonhice enfim?

Tudo, tudo mente, não mente de mentira, tudo mente de um pensador

Príncipe abandonado, por que anda calado, por que anda cansado

Que desejas da vida senão a morte morrida, sem o fim, sem amor?

Príncipe descortinado... Bastava-lhe uma cortina aos olhos, ou a veneziana de sua longínqua casa

Que se fechasse e assim parasse... Sim, que a cortina fechasse!

Mas se pensamentos atravessam muros, se sonhos os derrubam, assim como fizeram em Berlim

Que impediria uma simples cortina se continuasse pela estradinha de sua cama

A olhar lá de cima a padaria sem nome

Mas que não era do Joaquim?

Estrelas estrelas e mais estrelas! Basta-me! quantas estrelas faz-se uma poesia... Farei quantas se não sei o fim?

Luares encantados, olhares apaixonados

Sorriso da loira à porta de fora

Se eu contasse aos ventos

Se eu dissesse às estrelas tudo isso

Se clamasse às constelações

Se andasse pelas dunas das praias desertas onde rumam meus pés daqui de cima

De onde vejo todo o Universo

Talvez na verdade...

Não me dissessem nada

Aleivosamente me basta, desdizer que essa estrada

Leva pra longe, além da madrugada

Os cavalinhos que podem ir até horizontes sem fim

Podem navegar por estrelinhas até...

Quanto a mim?

Não a mim, não a mim

Eu sou homem decente, carente

Decente?

Imortalizo qualquer insanidade ó estrelas blindadas

E os faróis no deserto se calam quando me aproximo

- Não há faróis nem deserto!

Nem loucura nas estrelas

Pois talvez a insanidade esteja no homem que a pensou

Sobe cá loirinha

O dia amanhece e o anil do céu é como teus olhos lindos

Serão realmente azuis?

Ou serão negros como a noite que se foi?

Serás mesmo assim ou morena?

Talvez a visão seja quem me enganou

Tanto faz isso ou aquilo

Porque és a mulher de meus sonhos

Se morena, se loira, se ruiva

Ah! Que poeta troca você por uma estrelinha?

Manda-o embora e vem subindo

Toma carona nesse cavalinho

Diz que foi visitar seus parentes ao padeiro

Mora aqui e seja comigo princesa

Pois sou príncipe de olhos de sangue

Se sou vampiro, nem sei

Se gente, menos ainda

Sei que te amo mesmo sem saber direito quem és

Olha pra mim

Com teu sorriso poesia

Porque todo sorriso é uma poesia

Parece-me dizer coisas como ouvir pensamentos

E não ver gente dizendo-as assim

E se vês, vê não mais que uma sombra

Ama a sombra, ama o sonho, ama a dor

Porque no fim da história

Creio-me ser de fato ator

Amor amor amor amor

Sobe aqui e estarás cá do outro lado do muro

Onde as paredes são de pedra

E a veneziana de alumínio descortinada

Vem cá e sonha, como sonho que não finda

Deixa depois a estradinha

Deixa a padaria

Que não é do Joaquim

Deixa as estrelas no Céu

Rompe o claustro do teu desejo

A esperança que tens de liberdade

E vem morar nesse prado cinzento

Pois aqui é cinza e vermelho sangue

Você vem?

Vem?

O telefone... Levanto-me insano,

Em mente um sonho que não quero desmanchar

É a moça da padaria

A de olhos azuis anis

Ou seriam verde-castanhos-escuros?

Quer me ver, quer me encontrar

Abro então a veneziana,

Descortino o sonho e tomo vento na cara

Olho para o Céu estrelado e cheio de palavras prontas

Serei ou não poeta?

Dir-lhe-ei coisas e amores sem fim

Que se dane a montanha e seu príncipe de sangue

A aurora chega e estou tonto de felicidade olhando pela janela de alumínio

Aurora? Que aurora?

Que diabos é isso?

Nem madrugada, nem noite nem nada

Nem alvorada, nem dia nem tarde

Aurora?

Aurora instante esse

Em que quer ela me encontrar

A essa hora da noite

Amor amor amor

A estradinha de terra ao longe da vida,

No ermo das cores da lida

Pensando ser firme e concisa como a rocha na alta montanha

Tão precisa e medonha selvageria, nos prados onde ali se desvirtuaria

Naqueles bosques sorrindo mentiras,

Nestas praças dizendo amores

Eu que outrora lá morri

Ah, mocinha!

Olha bem a padaria no mercadinho

(que não é do Joaquim)

Te encontrarei com tantas promessas

Que nem sei se as posso cumprir

Algum outro alguém me chama indecente

Mas quem será se estou só eu presente?

Vai ver esse meu pensamento tolo

Que tem medo

Que tem medo que gostes de mim

Por que me chamas assim?

Quero, quero muito esse sorriso infante

Sem fim, sem fim...

Que desfaça essa longa estrada

Pra longe, além da madrugada

Os cavalinhos sim

Podem navegar por estrelinhas inclusive

Quanto a mim?

Chame outro por nome poeta

Não a mim, não a mim...

Pois a tristeza torna-os mais poetas ainda...

Mas algo me deixa aflito...

Aurora instante esse

Em que quer ela me encontrar

A essa hora da noite

Amor amor amor

Que instante é esse?

Pra mim é noite, noite bem noite, madrugada

Se conversa for o seu caso

Pelo caso de estar calada, parada, sem sono sem nada

Sem amigos para prosear

Que eu morra, que seja desgraça!

E assim mais poeta, mais triste enfim

Não! Não a mim!

Por favor, não!

(Se te amasse não conceberia um poeta, talvez um arquiteto, talvez!)

Pois nos sonhos sou príncipe daquela colina

De vermelho-vampiro do arrebol das tardes,

À não-gente, sonho apaixonado

De olhos esbugalhados

Que te vê subir a montanha

E abraçar-me carinho sem fim

Não! Não a mim!

Não a mim...

Eu quero o sorriso, infante poetico, que das mágoas se afeiçoou

A carreirinha de terra ao longe da vida, no deserto das cores deste labor

Arrazoando-se fundamentada e breve como a rocha no altivo calvário

De onde sorri a poesia, de onde nasce e se enterra como agonia

Assente e concisa como a padaria (que não é do Joaquim)

Insisto: não a mim!

jairomellis
Enviado por jairomellis em 16/10/2010
Reeditado em 17/10/2010
Código do texto: T2560086
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