FACA NA CAVEIRA

o que mata não é o que sangra

o que mata não é o que rasga

deixa verter sangue limpo

deixa cair lágrimas tíbias

faca boa na carne fraca

fúria sobre o gume e o cabo

rente à pele do crânio suado

o cabelo empastado de dor

e os olhos vagos de cão acuado

giram vazios à procura de ar

quem cravou com tanta força

aquela faca na caveira de alguém

no calor de uma discussão barata

movida a ignorância e cachaça

à luz de um lampião imundo

a mil quilometros de qualquer lugar

onde se tenha esgoto

o que mata não o que talha

o que mata não é o que vara

de novo tomba o pai de alguém

de novo o alguém se torna ninguém

arma nova na cinta

presa farta na mira

fúria sobre o gume e o cabo

rente à pele do crânio suado

a orelha banhada de escarlate

o ouvido surdo pelo fluxo viscoso

não percebe a respiração da fera

que minutos antes lhe cravou a faca

certeira no centro da cabeça

entre os olhos entre as orelhas

o que mata não é o que fura

o que mata não é o que alveja

mata mesmo é a certeza de poder

matar.