OPERA SAP
tal qual dois a bailar num cenário palaciano de rendas e veludos
valsamos em direção a algo que nos distancie e entorpeça
ópio, hipocrisia, absinto, indiferença, cocaína, desprezo, gim
tudo que possa fazer-nos perder momentaneamente a cabeça
tudo que possa apressar e garantir que tudo terá um breve fim
nossos olhos por trás das máscaras de veneza mentem
e o brilho resplandecente de cada um provêm da embriaguez
uma boa taça de qualquer coisa forte e tensa para dopar e distrair
conceda-me mais esta dança enquanto a noite mantém sua tez
antes que os ânimos se inflamem e o antagonismo nos faça cair
(sap)
todas as promessas mútuas são na verdade mentiras dubladas
perceba que nossos lábios não estão sincronizados com a voz
a nossa canastrice fica evidente quando tentamos soar hollywoodianos
mas de tão suburbanos parecemos calouros diante de um júri algoz
chegamos a ser deveras kitsch, um tanto ordinários e rodrigueanos
tal qual dois a trepar nas profundezas de colchões macios e mantas
fazemos do ato coletivo uma manifestação onanista de solidão
teu corpo apenas acessório não demora me faz gozar sinteticamente
e eu, no mais alto patamar de minha nulidade te ofereço prazeres vãos
enxugo a fronte na fronha e viro para o infinito, mecanicamente
nossos corpos livres das pesadas vestes de ópera bufa são apenas arcabouços
quem poderá rir desta cena se já não há mais público nas galerias?
aceite dois dedos de qualquer coisa forte para paralizar e esquecer
não há mais nada a fazer para recuperar o esplendor mundano daquelas alegorias
tampouco podemos impedir que toda essa revolta conosco venha a ter
(sap)
a verdade é que não existimos enquanto seres viventes deste mundo vigente
somos frutos de um libreto, personagens de uma mitologia recente e obscura
duas vidas cantadas por um barítono dolorido e um soprano apavorante
num cenário decadente prestes a ruir junto com toda uma suposta cultura
dissonante.