VESTIDO  CARMESIM







   Ela dançou na noite, alucinada,
   vermelha em sangue e insanidade.
   Lançou-se ao mar  com tanta manha,
   verteu em rodopios suas entranhas
   e forte e tão perdida, se entregou
                                                        inteira, 
   lançou seu grito, reza braba aos 
                                              quatro ventos,
   e fez do seu vestido uma bandeira.    
   
   
   Pisou mais forte o chão, bebeu cachaça,
   e sufocou no peito aquela mágoa. 
   Pois valeria a pena se chorar por tal 
                                                      fulano,
   que não valia um só sequer soluço?
   Dançou e foi em frente, na folia,
   a maldizer do amor, 
   a que servia?
   Se a vida aos pés se derramava inteira
   e no seu peito, 
   inútil coração batia?

   Cinéreo asfalto , seu melhor tablado,
   dançou flamenca a dança, sapateou,
   fez do suor seu mais silente choro
   e rodopiou, e se esbaldou em fúria,
   chamou demônios, exortou as
                                             tempestades.
   Agora não, não mais sentir saudades.

   Clamou vingança e incendiou o peito,
   queimou as asas, em volteios doidos,
   e sem sandálias, pés no chão gelado,
   lá desenhou seus passos mais bonitos,
   guardou bem fundo o coração aflito.

   A saia fez girar  qual catavento,
   vermelhas chamas neste movimento 
   jorrando em sangue de punhal cravado 
   a alma em desatino neste corte afiado 
   e os pés tão leves vão alçando vôos...

   E ao abraçar aquele que a seguira,
   o fez com tal tempero e manha,
   beijou-lhe a boca, machucou-lhe a pele,
   com suas unhas carmesim afiadas,
   e o quis sentir bem dentro nas entranhas.
 
   Assim o amou, qual derradeira volta
   como se fora o seu maior encanto
   mas o seu gozo se desfez em pranto
   era por outro que  se queria amada.
   

   Agora os sons da noite já cessaram
   e só ficaram pelo ar restos de vida
   e só ficaram pelo chão as marcas tantas,
   e ainda o velho nó doendo na garganta.

    Chorar então orvalhos da manhã raiada
    as mãos vazias, a cabeça entorpecida,
   e  valsas tristes na memória dessa vida, 
   e flores que murcharam nos canteiros.

   E ainda aquele amor
   a machucar sua pele,
   a desvairar o olhar
   que ao longe se perdia,
   ainda aquele amor
   que agora despertava,
   trazido inteiro pela luz do dia !
   

   

tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 26/09/2010
Reeditado em 29/09/2010
Código do texto: T2520824
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