[Sussurros do Claustro]

[De onde me vem esse impulso para o Profano?]

Ela vem pela frieza dos corredores

compridos e silenciosos do hospital;

ouço o suave farfalhar de suas vestes.

seus pezinhos pequenos e delicados,

escondem-se pudicamente

em sapatinhos pretos e fechados.

A etérea figura aproxima-se...

Caminha na minha direção,

e trescala uma suave fragrância

de uma bem guardada castidade;

ela tem no rosto o ar angelical

da mais casta e límpida feição.

As suas mãos, de unhas curtas,

quase translúcidas,

afilam-se na delicadeza

que só pode vir de tantas preces...

Olha-me... olhos longos,

porém sem muita vida;

penso em segredos ocultos

atrás do biombo deste olhar...

Embevecido, demoro em seus olhos

o meu olhar interrogante;

ela se agita, mas sente e aquiesce:

o seu olhar oblíquo a denuncia...

E na quase rarefação do ar,

estabelece-se um breve

quê de mútua ternura,

nesse lapso, os dois fomos um!

Mas logo o recato impõe-se

e prega-lhe os olhos no chão.

de pronto, ela se recobra

daquele hiato em seu caminho,

e a sua pulsação já retorna

à sua habitual normalidade,

o êxtase das preces elevadas

entre as frias e altas paredes...

Ela caminha sem pressa,

vai para o fundo do corredor;

os meus olhos a acompanham

fixados nela com a força de ímãs...

Vejo sua figura que a distância

torna cada vez menor,

e agarro-me na vã esperança

de que ela os sinta em seu corpo.

Enquanto ela se afasta,

sonho impossibilidades;

O Cânticos dos Cânticos...

Ela deve ter lido!

E agora?... Será o claustro,

o purgatório do quase-pecado,

de não ela ter sustentado

os meus olhos nos seus olhos?

De quantas preces precisará

para esquecer aquele breve hiato?

Será que sonhará comigo?

Eu já sonho com ela...

[Penas do Desterro, 2/12/97]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 23/09/2010
Reeditado em 22/04/2012
Código do texto: T2516005
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