A VIDA É INIMIGA DA AMIZADE

POEMA:

A amizade é um presente do presente

Morto no passado

E a coisa mais incerta do futuro...

Nascemos, mamamos, engatinhamos

Damos os primeiros passos

Dizemos as primeiras palavras

Daí que vamos à nossa primeira escola

E fazemos os primeiros amiguinhos

Isto é, quem pode ter escola

Quem não pode e fica mendigando no meio da rua

Faz amizade com menino de rua

É uma pena

E o único sentimento

Que sobrevive às duras penas da miséria

É a amizade, que, apesar de incerta

É perpétua enquanto perdura...

Esses primeiros amiguinhos crescem conosco

Mas sei lá, seus pais são transferidos pra outras cidades

E óbvio, eles somem assim do nada

Isto é, quando não são os nossos pais transferidos

Sumindo nós sem nos despedirmos!

... Chegamos à adolescência

E cruzamos com aquele amigo do maternal

Apenas balançamos a cabeça sinalizando um para o outro

Como se jamais houvéssemos sido tão fieis...

Vem o colegial

As namoradinhas

A puberdade

Tudo bom... grandes amigos novamente aparecem

Achamos que aquilo jamais haveria de findar

Até que seguimos à capital para ganhar a vida

E passamos apenas a nos ver um fim de semana por mês

E no máximo!

Outros amigos já se tornam amigos

Outro colégio

Outras namoradinhas

E uma vez ou outra

Nos encontramos com os velhos amigos do velho colegial

Numa festa, num baile, sei lá...

Ele lá com a namorada dele

Eu cá com a minha namorada

Tomamos umas cervejas

Conversamos besteira e dizemos:

Cara, vamos marcar algo:

Pegar umas garotas

Um futebol

Um ping-pong

Um churrasco

Aparece lá em casa, meu...

... Chega a fase adulta

E cruzamos com aquele amigo do colegial

Apenas balançamos a cabeça sinalizando um para o outro

Como se jamais houvéssemos sido tão fieis...

Vem a faculdade

Responsabilidade

É quando o cerco fecha e a vida diz:

“Ei cara, tu precisa de grana

Paga tua cerveja e compra tua roupa, imbecil!

Deixa teu pai em paz

Larga da barra da saia da sua mãe”

Também a primeira grande paixão

Ah... isto é, se não houver havido no colegial!

E, apesar da responsabilidade

Vêm baladas mais pesadas

Ressacas maiores

Aquela velha frase:

“Só sairei esse fim de semana

A partir de segunda, estudo pra valer!”

Nisso, os amigos do colégio da capital

Se foram para faculdades e capitais diferentes

... Até que nos cruzamos com eles num shopping ou restaurante qualquer

E balançamos a cabeça sinalizando um para o outro

Como se jamais houvéssemos sido tão fieis...

Vem o estágio, perfeito!

Aquela típica coisa, estagiário:

Quem mais trabalha; quem menos ganha!

Amizades assim extremas

Cumplicidades

Confraternizações

Almoço juntos todos os dias...

A faculdade acaba e a presença da amizade se vai

Como aquele papel rabiscado numa aula chata...

Chega a primeira entrevista, o primeiro concurso, o primeiro emprego

Ah... sem esquecer os corruptos

- o voto vendido e os nepotistas -

A faculdade se desfaz de vez

E os amigos vão brigar no mercado de trabalho

Assim a fase adulta segue envelhecendo na idade

Família se torna a vida

E o filho a mais sincera amizade!

... Se cruzam, os velhos amigos de faculdade,

Em hospitais os médicos

Em tribunais os advogados

Em canteiros os engenheiros

Apenas balançando a cabeça sinalizando um para o outro

Como se jamais houvesse sido amigos tão fieis...

Firmam-se no mercado de trabalho

Faz-se novos amigos novamente

Nessa fase, a amizade já não é mais como era antes

Não existe mais a confiança da fidelidade

A saudade

O abraço

Reina o stress

Impera o cansaço...

Há muito mais intolerância

E a amizade passa a ser mais um jogo negocial

Quebra-se o berço de afinidades

Carências e caridades como à época da faculdade

Como o velho colegial...

Nesse mercado

Chegam uns à consagração da vida

Outros ao fracasso

Uns ricos, bem sucedidos

Outros pobres, bêbados e vagabundos

Uns como homens da lei

Outros como presidiários

E assim são com os amigos do bairro

Da rua

Da escolinha de futebol

Do karatê

Do inglês

Da natação

Da noite

Do jogo de damas e xadrez na esquina

Da pelada

E das missas de domingo

E assim, volta a se confirmar:

“A amizade é um presente do presente”

Por isso,

Tão intensamente vivo as amizades

Quando tenho amizade

Vez que com certeza já sei:

Amanhã não as mais terei

...Pois a velhice chega

Aquele grande amigo de antigamente passa

Olha seu amigo sentado numa cadeira de balanço

E a cabeça nem balança mais...

Saindo ele pensando:

Aquele cara e eu já aprontamos muito:

Festas, baralho, mulheres, grana emprestada

Ô saudade!

Amizade é justamente isso:

“Viva o que for... pois quando for

É que será o que é

Como bem disse Fernando Pessoa”

Viva a amizade no agora

Pouco importando se a vida te magoa

Amizade existe, claro... não duvides!

É a água que rega o mais belo de todos os jardins:

O jardim do laço que se desata apenas quando a corda se rompe!

Mas de uma forma fúnebre e doentia

Como toda morte o é

Chegará o teu velório

Ora sombrio

Ora reluzente

Amigos de antes e de agora

Segurando a alça do teu caixão...

... E no teu leito de morte tu te perguntarás:

O que são os amigos,

Que rapidamente viveram ao teu lado?

Pessoas que eternamente

Ficaram em seu viver?

Tu responderás:

Não sei!

E ao mesmo tempo com certeza sei

Que serão pessoas que na eternidade da minha vida

Será a minha lembrança no sabor da alegria infinita!