Parto
Às vezes a dor é tão funesta
Que ao parto a dor empresta
Todas as dores da vida.
E nessa ânsia tão louca
Como se fosse rasgar a roupa
Sem achar uma saída...
Estão as angústias da alma
Que vieram antes do mundo
No surdo choro do feto...
Que não queria aqui estar.
Então, por que foram me chamar
Na consciência das eras, adormecido?
No meu sonho pueril
O céu era cor de anil
Não havia assombro no ar.
E desse medo que me apavora
Da paixão que a mim devora
Bem que eu queria me safar.
Mas os grilhões que me pesam
São mais que os tempos passados...
A mim deixando acorrentado
No aço de sentimentos perdidos.
Se a morte me viesse risonha
Eu não me faria tristonho...
Teria uma esperança a mais
Para findar os meus ais
E, um novo mundo contemplar.
Um mundo de pessoas verdadeiras
Não apenas máscaras inertes...
No palco da vida a representar
A realidade de um povo
Que esqueceu sua existência...
Inventando uma consciência
De um deus que não está...
Na parábola do universo
Nem na frente nem no verso
Da metáfora da criação.
E essa dor minh’alma inflama
Nessa mistura abjeta
De sentimentos profanos...
Dessa humanidade inventada
Que de humano pouco resta.
Bestas servis de seus caprichos
Vivem pior que bicho.
De que te serve ser racional?
Se a razão a ti engana
No instinto que se proclama
Maestro dessa orquestra infernal.
E este estertor em que agonizo
A mim faz perder o juízo...
Nessa dor que a mim tortura
Por saber que não há cura
Para essa loucura coletiva...
Só depois que os vermes saciarem a fome
Da consciência que se consome
Nos devaneios de um povo perdido.
Quando tudo for esquecido...
E um novo ciclo começar
Então poderei descansar
Na sombra da própria morte.