O COLÉGIO AZUL
Uma única vez pude ver a estrada
Que liga o mundo acordado aos confins do sonho:
Atravessa o deserto amarelo, o prado verde,
E pronto- você está em casa.
Luzes verdadeiras em mansa atmosfera,
Máxima ambiguidade em parágona adoçada.
Única vez em ação e modo que eu vi
O caminho que porta ao colégio azul.
Azul que eu diga, é simbólico e cinzento-
Como minha infância um pouco mórbida.
As imagens trescalando lamento e perda
Pelas sutis venezianas cognoscitivas.
Onde estou sei muito bem, o que não sei
É quem me propõe a charada...
Aqui no colégio azul, sob a luz de outra lua,
Universo que marcha silencioso e em sombras.
Não te vi de outras vezes, menina,
Pendurada, no alto, nas grades que dão para o interior,
Onde jogam amarelinha as crianças
Que lá estudam e me desvendam?
Olho-te e respondes com um olhar
De que me conheces há tempo.
Sacodes num salto a geometria do ferro,
E pousas como um anjo de chamas delgadas.
Se tens me procurado, aqui estou- dizes.
Que eu faço aqui neste colégio?
Não te lembras? Pois eu, sim.
Lembro que deixaste-me ao portão.
Fostes embora. Aqui estou eu.
Em casa, embora em solidão.
Como podes ter me esquecido...?
Recorda o que sou...te ultimo.
Ela sai correndo. Doces pés e olhos sumindo.
Como pude ter sido tão tolo?
Ah, o que eu deixei para trás,
Para viver no mundo desperto...
Não foi para educar-te, e punição não foi.
Então, foi que coisa?
Parte de um plano, regra de um jogo...
Outra face de um obsceno segredo?
Não vá... oh, a campa está soando.
Como eu posso te encontrar, menina?
Logo és um ponto, feito de passado e medos...
Mas eu sigo, atormentado, pelas aulas.
Custo a ganhar controle dos passos.
O colégio azul tem percalços de sonho,
Que eu conheço, e outros, alheios,
Vindos do inconsciente.
Aparecem pelas portas abertas
Pelas escadas e corredores,
Atrás das colunas,
Através das janelas...
Lúridos, gigantescos,
Os professores escrevem em lousas
Frases de cabeça para baixo,
Do fim para o início.
Os funcionários são anões,
Gritam e agem como cães.
Castigam com varas-
Dão com escovões.
Um grupo reunido observa uma briga.
Um menino todo rasgado
Diz-me: ajude-me!
E eu afugento o outro, que o surra.
Procuras a menina, diz ele,
Que pelas grades se inclina?
-Sim, é certo! Onde está ela?
-Pelo jardim, há uma porta.
E por ela, um conduto
Fino como um tronco
Que leva apenas a um ponto:
A sala dos Vestidos de Negro.
São como os donos do lugar,
Crianças extraordinárias,
Oito em seu número.
Cuidado com eles.
Atormentado sigo em frente;
As silhuetas me escondem.
De longe vejo rosas que
Seriam vermelhas em nosso mundo.
Quem está aí? Formas se beijam.
Uma é um aluno. Mas
Aquela de moura aparência
Rinha dentes e foge pelo ar.
Sacudo os caramanchões, e
Surgem as marcas de uma
Entrada esbranquiçada.
Devo passá-la.
O vento frio e o odor de esgoto
Apertam meu coração.
Do alçapão o único fim
É onde quero chegar.
Onde está você, menina? Penso
Nas nuvens e estrelas que tínhamos,
Juntos, como se hoje fosse.
Ou foi naquela tarde no lago, em outro cosmos?
Observando reflexos nos perdemos,
Roubada foi a proximidade.
Raios de uma aurora cativante
Levaram-me para um abismo distante.
Eis a desmesurada capela
Onde reunem-se os Vestidos de Negro;
As velas inextinguíveis e os cálices opacos,
Memórias num céu sem fundamento.
Não há mãos que toquem o altar
Nada para cantar os extremos
Sagradas palavras soam aqui
Como inúteis piadas.
-Tu que estás no nosso Santuário
Sabemos da tua busca.
Mas quem nos consignou
A aluna, foi tu.
Há leis. Há procedimentos.
Tu nos entregaste a aluna.
Ficou ligada a nosso colégio.
Daqui não sai, sem uma educação.
-Vocês oito, eu sei quem vocês são.
Modéstia, Observância, Disciplina,
Pontualidade, Rigor, Perseverança,
Obediência e Cultura.
De tudo que vi nada existe
Tão torpe quanto vós.
Uma vez eu quis sua instrução.
Agora de vocês me desfaço.
Não são os senhores da ordem
Pequenos perante a individual herança?
Tímidos são os capatazes da
Divina desesperança.
Assim, de negro vestidos,
Simulacros vazios,
Medo não me dão.
Devolvam a aluna, então.
A capela ensandecida
De rápida luz introduzida,
Ruiu em repentino fulgor
Abrindo-se ao exterior.
Sob a ara desconsagrada
Estava a aluna, que eu deixei;
Única em sentidos, em forma,
Em acidente, potencial.
No colégio azul que eu vi
Retornou ao meu abraço
No fim da estrada dos sonhos
Minha alma essencial.