Poema das espessuras

Espesso

Espesso porque um poema é espesso

Espesso porque ao escreve-lo

o poeta se sente espesso,

Espesso também

porque tudo ao redor é espesso.

Espesso porque é espessa a vida

e o sentimento que em roda há.

É espesso porque também

é espesso o intragável:

é espesso porque a fome é intragável

porque a miséria é intragável,

porque o mundo gira e é intragável.

É espesso porque a lama é espessa

e fertiliza a miséria de todos os mocambos.

É espessa porque também é espesso o sangue

que derramamos todo dia quotidianamente...

Espesso porque suamos frio,

é espesso porque o suor fede

e fedem os cães e fedem as fezes

e fede tudo que é espesso...

É espesso porque este poema fede

e não sabemos a causa de sua morte.

Mas a morte também é espessa,

com sua carroça a cortar o tempo,

e a ceifar-nos sem medida, irmanamente.

É espesso porque o tempo não pára e é espesso

com seus segundos nos matando...

É espesso porque também todas as alegrias são espessas

e nos unem num momento de comunhão divina.

É espesso porque o divino é inalcançável

e o inalcançável é espesso.

Ah, mas é espesso porque o próprio homem é espesso,

porque o homem precisa de uma mulher

e porque a mulher é um ser espesso...

e também porque toda forma de amor é espessa,

ligada, viscosa como uma grande mucosa espessa.

É espesso porque o coração é espesso

e porque o coração está na mente

e tudo que pensamos é espesso.

Tão regurgitável como um vômito espesso

que lança fora nossas paixões-entranhas,

é o mundo grande a rodearnos sempre

com seus tentáculos ditos humanidade

e com seu cheiro de morfo espesso.

É finalmente, é espesso porque estamos no mundo,

e o mundo está no sistema,

e o sistema numa galáxia,

e a galáxia está no universo

e o universo é espesso!