Querida

Vejo-te nestas manhãs e ao teu lado,

silenciosamente, sinto-me vivo, respirando.

Tua agitação me acalma, teu sorriso,

cafezinho na cozinha. No jardim

o beija-flor brinca em volta do ipê-roxo

que plantamos juntos. Quanto tempo e

quanta paciência até que surgisse a primeira flor!

Lição de Deus em nosso quintal. E nem reparávamos.

É a cara da mãe!

As fugas, o dinheiro emprestado, o ano repetido,

minhas poesias, meus sofrimentos...

Eras sempre a primeira a saber.Sofrias comigo

e o meu sofrimento dividido

não era tão doído.

O bairro da Aclimação, brigas de rua,

ensaios na TV Tupi, meu sagui, galinhas

da Angola, o amigo Raposo, pestanas queimadas.

Lembro-me do primeiro ônibus elétrico

e do IV Centenário no Ibirapuera.

Não deixarei que nada caia no esquecimento.

Vejo-te nestas manhãs e ao teu lado

silenciosamente ouço o teu silêncio.

Nagib Anderáos Neto

27/08/82