QUASE TODAS AS VIDAS
Tenta viver em mim
Um homem meio tirano,
Meio caolho,
Um olho no gato, outro no peixe,
Sem saber o certo.
Faz de tudo um pouco,
De aprendiz a mestre,
De boy a velhote,
Santo: encapetado.
Incrédulo...
Tenta viver em mim
Velho bóia-fria.
Possui um gostoso cheiro
De suor e cana.
Cana queimada,
Roupas de mangas longas,
Garrafa térmica.
Sua coroa: foice na mão.
Tenta viver em mim
O cara moto-boy.
Máquina e capacete,
Viagem bem-feita
Pneus alinhados,
Corrente, coroa, pinhão.
Tudo perfeito;
Perfeita sintonia:
Homem e máquina
De mãos dadas.
Gasolina no tanque,
Passageiro na garupa.
Tenta viver em mim
O homem do povo.
Meio político,
Meio safado,
Sem-vergonha, abusado,
De porte, às vezes, grosseiro,
Às vezes, pianinho,
E cachaceiro!
Tenta viver em mim
O homem da cidade.
– Fruto do urbanismo,
Cheio de stress.
Trabalhador,
De horário comercial,
Às vezes, letrado.
Sapatos brilhando.
De terno e gravata, todo alinhado.
De poucos filhos:
No muito, um casal.
Tenta viver em mim
O homem boêmio.
Meu irmãozinho...
Tido como à toa,
Muito comentado...
Finge ter alegria, mas é triste.
Quase todas as vidas em mim:
Em minha vida –
A vida parca dos absurdos.
Outubro de 2005.
Inspirado em "Todas as Vidas", de Cora Coralina - a grande poetisa goiana.