Fragmentos 46 [Primeiro Ato]

Ah,

que virtudes são válidas?

Quais?

Quanto se vai sem que se perca nada,

sem que se ganhe estrada.

A experiência viu seu túmulo

mas não suas vísceras.

As feridas não foram abertas por completo.

Infeccionaram.

Fecharam-na, escondendo as vilezas.

Enfeitaram-na com flores,

como disfarce para os insetos que a rodeavam.

O cheiro de podre se misturou ao das flores;

elas murcharam, mas a memória da sua imagem permaneceu.

A crítica, feneceu.

Ah,

todos os vícios são festejados!

Cortejados como uma linda princesa

que, ovacionada,

idolatrada, cortejada sem meandros,

se isenta de escárnio.

Ah,

"Belle Époque" de vilezas!

As belezas trazidas por ti

são cheias de carniça,

de moscas e ratos.

Toda a nobreza de ti

ilumina a vacuidade dos cenários,

enaltece o vasto,

como pobreza de espírito.

Se virtudes fossem postas à mesa,

estaríamos podres também por dentro.

Ah,

que belas virtudes!

Tornam-nos Midas invertido.

Fazem-nos banidos,

de nós mesmos,

da vida,

da experiência que não tivemos.

De tudo que ganhamos com a rapidez e a modernidade:

tédio.

Quais?

A pergunta retorna.

Quais virtudes deve-se corromper?

Quais estradas vai-se percorrer?

E as flores?

Quais se jogar ao sepulcro?

Quais feridas abrir?

Quais devem causar mais nojo?

Ah!

Mas é claro!

O nojo deve ser princípio.

A luta, alívio.

O mundo, vivido.

Vícios, invertidos!

Todo o proibido deve ser vivido.

A Bela Época deve ser bebida!

E, embebedados,

Vomitá-la, toda destroçada,

escarnecida e esquartejada.

Com todo vício aflorado,

toda virtude corrompida ignorada,

vida festejada,

correndo por estradas,

com novos andares,

tecendo, em malabarismos,

novos juízos, outra morada.