jardim das borboletas amarelas

o ultimo inverno — que fenômeno terrível

céu sempre encoberto, que parecia até eterno

neve sobre os telhados e embaixo da pele

“por todos os lados nos persegue”, gritavam

por muito tempo estivemos aflitos

de minha janela tenho lugar privilegiado

vejo a corrida dos cavalos atrás do sino

choro o leite derramado na casa dos vizinhos

tenho uma parte do espetáculo no rosto

tatuado pelo santo que soube abençoar

mas descobri recentemente uma entrada

para o lugar onde todo desgosto se desfaz

basta seguir o meio dos pêlos até o umbigo

mergulhar profundamente, levando consigo

algo para alimentar as borboletas no caminho

e só

ouvirá então as risadas ecoando

não saberá se são as mesmas

ou se são outras que vão aparecendo

conforme a graça vai batendo as asas

para por uma dúzia de ovos na garganta

mansa e flácida, cansada da batalha

que acostumou a travar com o vento

“não são moinhos, Sancho, são gigantes

Homem, tu não os estás vendo?”

e não verá, porque tua cegueira

não é aquela dos que nem percebem movimento

— por isso aguçam tanto as orelhas

fazem questão de tocar o mundo ao redor

a língua viva feito cobra coral

ao contrário, o pano branco é um jarro

onde multicolorido jorro descansa

estalando luzes com freqüências altas

dispersando o equilíbrio dos sentidos

para viver da fluorescência desenfreada

de um mais do mesmo ensimesmado

desfecho amargo de um amigo e o sorriso

do sujeito que arrastou seu filho pelo asfalto

que fez com um fuzil o sétimo filho de um sétimo

filho firme e preparado para governar do alto

de mãos dadas com os três poderes divinos

do pai, do filho e do espírito santo

“sem povo, nem pão, não há Estado!”

o milagre divino é a penitência

“vê como resiste o gado ao açoite da elite?”

— diz um renomado deputado foragido

que sabe que a fome não é mais um problema

é status mantido como base de ação publicitária

ao fim do dia estará exausto

cheio das promessas de nunca mais a todo lado

cobrando de si que tenha ido tão longe

mas vai se surpreender quando olhar para trás

e ver que não deu sequer um único passo

Avati
Enviado por Avati em 22/08/2010
Reeditado em 30/08/2010
Código do texto: T2452582
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