A dor de um pai
4 da manhã, já estou de pé. Banho tomado vou pro meu café.Café preto, não tenho pro pão, leite nem me diga é outro escalão.Pego a mochila ponho a marmita, vou até o quarto beijo a Rita.Na cama ao lado o incentivo a luta, a Janaina e meu caçula o Lucas.A passos lentos saio do quarto, tenho que ir já são 05h04min.Tranco o portão guardo a chave, não estou muito bem com o meu traje.A favela está dormindo, mas não movimento.Já é normal o que o meus olhos estão vendo.Um moleque com 14 ou 15 invernos, preparando seu caminho pro inferno.Uma garota aplicando na veia, em fração de segundos a favela incendeia.Aperto o passo pra não me comprometer.Podia ser meus filhos, mas não vai ser.A poucos quarteirões estou no ponto. Tomar apenas o café me deixou tonto.Lá esta ele, avisto minha locomoção. Dou sinal, parou, adentro o busão.Está lotado até o talo, muita gente de pé, quanto sentado.Vejo um senhor cabelo branco pele escura. Abatimento no seu rosto já mostra a vida dura.Calça surrada, camisa desbotada. Já deu sinal, ta próximo sua parada.Vai com DEUS penso em minha mente. Com certeza é mais um sobrevivente.Sento em seu lugar e fico a pensar. Quantos anos, quantas lutas não saio do lugar.Desde moleque que estou na batalha. Muitos já foram, brincaram com a navalha.Sempre fui o mane o caretão, na favela sempre fui na contramão.No futebol sempre me destaquei, na comunidade nunca vacilei.Sempre respeitado pela rapaziada, mas de alguns nem falo nada.Se consideram ladrão, engraxando com a língua a bota do patrão.O Betão, Maicon, o Junião e outros mais. Vixe que pena ficaram para traz.Todo mundo sabe que nesse trem, não tem outra estação. É cadeia, hospício quem sabe o rabecão.No final não vale a pena é ou não é? Sou mane, sou careta, mas estou de pé.Sempre na luta, não mudo minha conduta, não venço pela força bruta, não trapaceio dentro da disputa.Falando em disputa, vamos pra guerra. Mas um dia de serviço me espera.Dou sinal, chego no meu destino. Hospital da Vila pra ser mais preciso.Crachá, botina e uniforme. Tudo nos conforme.Minha chepa no banho Maria, pro almoço do meio-dia.Logo de prima o encarregado. O complemento com um bom dia.Me responde endiabrado. – O que tem de bom João Maria?Percebo logo o clima pesado. Um adolescente todo ensangüentado. Levou o revez de um assaltado.Isso já é rotina, limpo os banheiros na adrenalina.Ouço cirenes e uma correria. Tudo normal, mas não neste dia.Vejo Rita e Janaina correndo em minha direção. Balbuciando pegam em minha mão.Logo pergunto: - onde está o Lucas minha querida?Esta em estado grave. Foi encontrado por uma bala perdida.Ela responde e cai inconsciente. Nunca imaginei acontecer com a gente.Corro até o Doutor peço explicação. Chorando entrega o resultado em minha mão. Diagnostico fatal. Meu filho com morte cerebral.Sempre batalhei por minha família. Mas neste instante neste dia todo desmoronou.O sangue do meu filho no chão foi tudo que restou.