VISITA DERRADEIRA

1

Na perfídia madrugada, o silêncio,

Toca-me suave e acordo de súbito,

Do corpo saindo o espírito no início,

Do sono, retornando ao mesmo abrupto.

Não que pesadelos me dominem a mente,

Essa nuvem tempestuosa e cinza, enigmática.

Ou que recorde de algum ente,

Morto, que chegue de forma enfática.

Nem o crocitar de corvos noturnos,

Nem o cortejo de fantasmas soturnos,

Ou meu íntimo tentando fugir da sorte,

E nada. Um olhar num poço escuro,

Paredes concretas de lodo obscuro

Na distância, os passos flutuantes da morte.

2

Nos jardins da ilusão a toda hora,

Hospedam-se meus particulares sonhos,

Aquecem-me e me deixam em abandono,

Acompanham-me um tempo e vão embora.

Adentro caverna, escura e morta,

Caminhos difíceis onde mora escombros,

E meu peito incerto e tristonho,

Só das visões noturnas se ancora.

Que exótico querer permeia-me!

O limbo e as hostes celestes aparecem-me,

Na minha frente, no escuro infinito.

Nesse desvairo sepulcral emergente,

Na alta hora dos espectros flutuantes,

A tua presença que agora fito,

3

Nunca o vi antes, não o conheço!

Mas sinto que preciso segui-lo depressa!

É alta a noite e à hora já avança,

Reclino-me a tua voz que há tempos ouço.

Nas horas mortais sigo-te assustado,

A ouvir caírem os gritos infernais,

Abrindo em cortes longitudinais,

O corpo e a mente totalmente fustigados.

Em seu negro mar mergulho ao profundo,

Nas visões das trevas noturnas, acolho uma,

A mais presente, ausente, repetida,

Teus dias foram poucos nesse mundo,

Tuas mãos pálidas e geladas Virginia,

És para mim a parte doce da vida.

4

Por muito tempo sofreu esta minha alma,

Em vagar por total incompreensão,

Agora ao te ver vindo da imensidão,

A mostrar-me novo mundo nova aura,

Às vezes te vejo nos dias da despedida,

Na cama a dormir um sono doente,

E das mãos, soltar as forças subitamente,

Num olhar fitando o nada, perdida.

Mas, no entanto, nada por ti sentia,

Eras para mim só mais alguém que morria,

Deixando a vida amarga e sofredora.

Mas ao vê-la no escuro, reconstruída,

Em uma forma etérea, saudosissíma!

Morte discreta, amiga libertadora!

5

Como te vejo bem depois dessa visita,

Já no cansaço, longo caminhar noturno,

Vendo a tua imagem entendo agora tudo,

Dos sonhos, da alma estando exausta.

Essas sombras esses gritos não me apavoram,

Não mais. Confio nos teus passos distintos,

Guiando-me por novos recintos,

Que podem ser além do que se imaginam...

A vida perfeita na morte encontrada,

A paz perdida em vida procurada,

A morte saudável da amarga vida ruim.

Prefiro a ausência da vida deplorável,

Na morte certa, temida, inviolável,

Onde toda a existência terá seu fim.

6

Quem se esquiva do desconhecido sofre,

Com teu ataque que será inevitável,

Com teu abraço frio e inquestionável,

Leito da morte, profunda e ilustre.

Eu me convenço da tua integridade,

De levar-nos quando o fardo é pesado

Demais, para continuar a ser levado,

Aceito esconder-me na tua notoriedade.

És o braço que embala o sono eterno,

A centelha que acende a luz do mistério,

A voz surda que a muito eu ouvia.

Sigo-te ininterrupto, não regressarei,

Vistam-me com as roupas de quem foi meu pai,

E enterrem-me na sepultura de Virginia.

tomb

Tomb
Enviado por Tomb em 17/08/2010
Reeditado em 17/08/2010
Código do texto: T2443690
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.