Eu, a Poesia
Se queres, pois, ser artista
Empunha teu violão
Sobe no palco da vida
E esquece-te do passado
Solta-nos a voz contida
Deixa o teatro calado
Mostra como se conquista
O amor d'uma multidão
Se queres ser bem amado
Veste a máscara da morte
E entrega o teu corpo à arte
Contracena com a vida
Autografa o teu encarte
Deixa a farsa bem nutrinda
Deixa o corpo bem bombado
Teu sorriso, um passaporte
Se queres deixar lembrança
Adentre pelo carpete
Contracena com o nada
Beija, transa, finge amar
Na novela reprisada
Tendes a te eternizar
O teu papel não se cansa
Eternamente repete
Mas se queres ser lembrado
Como alguém que só retrata
Rejeita a fama e o sucesso
Rejeita as noites de orgia
Ou de ti eu me despeço
Sem dó ou demagogia
Tens mesmo que ouvir o brado
Deste discurso abstrato?
Olhes ao redor sem medo
pois diante de ti a tela
Por mais escuro que esteja
Há de existir uma cor
E a tua visão corteja
Com a graça do esplendor
Do teu nome feito a dedo
No canto d'uma aquerela
Mas se preferes então
O vazio preencher
Vale-te d'um pentagrama
Desenha neste compasso
O verso da nossa trama
Esqueça do tempo escasso
Componha uma canção
Que não vamos te esquecer
Mas se de ti passar ao largo
Qualquer dom já mencionado
É porque sobrou-te o verso
Sobrou-te a escrita e a rima
Um restolho de universo
De incontáveis obras-primas
Feitas n'um silêncio amargo
D'um artista abandonado
Quando um poeta redige
Toda arte faz-se ouvida
O egocentrismo fenece
É algo a fazer-se só
Aquele que isso se esquece
Humilha-se até o pó
Pois do poeta se exige
Estregar-se à própria vida
Se queres poetizar
Tens com clara exatidão
Que o poeta nada tem
Não tem sucesso nem fama
Logo torna-se ninguém
QUe faz tudo e não reclama
Nem se quer agonizar
Sem minha autorização.