A PEDRA

O dia lá no fundo do dia irá salvar
A pouca de palavras que nós fomos juntos?
Por mim, amei demais os dias confiantes, velo
No lar de nossos peitos sobre extintas palavras.

(Yves Bonnefoy)



Trago a luz que se derrama na manhã que sangra
Quebro o silêncio em mil pedaços dentro de mim
Afundo instantes na lama escura e vil do tempo
Lembranças esvoaçam perdidas com asas quebradas
Toda a inconsistência do mais inabitável do abismo
É como estar à deriva o pensamento infame sobre absolutamente nada
Enquanto desbasto pacientemente a crosta das emoções baratas
E no esquecimento acumula-se o pó de muito antigas tristezas
Um buraco na fala enterra uma palavra que ainda não brota
E com verdadeiro asco vou nutrindo esse desdém pelas cores firmes
Cores com que a ilusão vem enfeitar de festa a aborrecida poesia
A luz se cala mais uma vez quando a noite inesperadamente vem
E, vindo, põe estrelas vadias na distância de todos os meus sonhos
A inspiração é a aranha que tece a teia que aprisiona os meus desejos
Mais um verso é sempre uma pedra a ser rolada montanha acima
Debaixo da rima escondo as malas prontas de um partir para sempre
Quando no sorrateiro de um último passo se descortinam horizontes
Se é dia, o sol é tão somente o fogo que me saiu um grito da garganta
Se é noite, a lua é luz prateada que me fugiu do fundo dos olhos
Mas se é tarde, a brisa é dor amena a dissipar madrugadas e manhãs
Em mim há de amanhecer sempre uma vontade de devorar as horas
E de pairar na imensidão inimaginável de habitar o baldio do lá fora
Para fora de mim tudo tão distante, tudo tão pouco e tão pequeno
Enquanto dentro de mim sempre esse gosto e esse cheiro de infinito
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 10/08/2010
Reeditado em 05/08/2021
Código do texto: T2428820
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