RECEITA PARA FAZER UM POEMA
José António Gonçalves
Eis o canteiro onde se planta
a semente do poema. O papel
branco e as palavras, em turbilhão
subindo as águas do rio guardado
para o banho matinal das musas.
Deixem que o redemoinho das fontes
descontrole o curso da inspiração
e refaça todas as partidas e trace
novas chegadas. Os mapas redesenham
o lirismo, os versos impõem a música
e a dança dos vocábulos faz-se na pista
da harmonia. Quem entra no baile
protege-se da geada, ama os sons
dos pássaros nos intervalos do voo,
entrega-se nas mãos do ser amado,
oculta-se entre as heras subindo as paredes
das velhas casas e alimenta-se de sol
nos dias friorentos dos invernos solitários.
Não sabe qual a rota verdadeira e subtil
que conduz ao âmago da autêntica poesia.
Talvez será por isso que os poetas
nunca se dão por vencidos e escondem
na memória ou nas gavetas de antigos armários
a poesia que lhes dá o sangue num cesto de rimas
para viverem depois de cada noite tormentosa
o esplendor criativo de apenas mais um dia.
José António Gonçalves
http://members.netmadeira.com/jagoncalves/
In: As Sombras no Arvoredo
Coleção Pilar de Banger
FUNCHAL - 2004