VITRAL
O vitral trincou
O desenho que lá estava se desfez
Na visão que o fitava
Os passos que eram longos
Encurtaram
As muletas que antes estavam no passado
Fez-se presente por necessidade
Hoje ter que usá-las
O homem com as muletas anda
Até a Catedral
Senta-se na primeira
Pedra a suportar o
Peso de seu corpo fatigado
Com as mãos livres desce-as
Varrendo o chão
Pega os cacos
Que antes eram obra de arte
Coloca em seu colo
Caco por caco
Oras de uma cor só
Oras de múltiplas cores
Fechado os olhos, sente como se tivesse
Ressuscitado a imagem que antes era intacta
Chorou silenciosamente
Sem deixar que as lágrimas
Caíssem à visão da superfície
De sua face plácida
Levantou com os cacos guardados
Nos dois bolsos de sua calça
Um tanto titubeado se balançou
Para o peso ser igualado
Pegou sua muleta
Colocando-a debaixo dos braços
Lançou seu primeiro passo
Com a perna esquerda
Por ser canhoto
Lentamente chegou à sua casa
Sem olhar para o primeiro cômodo
Sai à procura do segundo
O seu quarto
Esticou as pontas dos pés
Pegando uma caixa de sapato
Já velha
Que ganhara alguns anos atrás
De presente de aniversário
O sapato já não existia
Mas, a caixa lá estava
Como um arquivo morto-vivo
A guardar os segredos
Que só a sua alma pertence
Abriu jogando os cacos
Lá dentro
Sorriu ingenuamente
Sabendo que jamais
Voltaria a se sentar
Novamente na pedra
E assistir ao por do sol
Através dos vitrais da Catedral
A civilização bateu em sua porta
Derrubando a Catedral
Do seu coração
A Catedral agora
Só tinha vida
Dentro daquela
Caixa de sapato velha