VITRAL

O vitral trincou

O desenho que lá estava se desfez

Na visão que o fitava

Os passos que eram longos

Encurtaram

As muletas que antes estavam no passado

Fez-se presente por necessidade

Hoje ter que usá-las

O homem com as muletas anda

Até a Catedral

Senta-se na primeira

Pedra a suportar o

Peso de seu corpo fatigado

Com as mãos livres desce-as

Varrendo o chão

Pega os cacos

Que antes eram obra de arte

Coloca em seu colo

Caco por caco

Oras de uma cor só

Oras de múltiplas cores

Fechado os olhos, sente como se tivesse

Ressuscitado a imagem que antes era intacta

Chorou silenciosamente

Sem deixar que as lágrimas

Caíssem à visão da superfície

De sua face plácida

Levantou com os cacos guardados

Nos dois bolsos de sua calça

Um tanto titubeado se balançou

Para o peso ser igualado

Pegou sua muleta

Colocando-a debaixo dos braços

Lançou seu primeiro passo

Com a perna esquerda

Por ser canhoto

Lentamente chegou à sua casa

Sem olhar para o primeiro cômodo

Sai à procura do segundo

O seu quarto

Esticou as pontas dos pés

Pegando uma caixa de sapato

Já velha

Que ganhara alguns anos atrás

De presente de aniversário

O sapato já não existia

Mas, a caixa lá estava

Como um arquivo morto-vivo

A guardar os segredos

Que só a sua alma pertence

Abriu jogando os cacos

Lá dentro

Sorriu ingenuamente

Sabendo que jamais

Voltaria a se sentar

Novamente na pedra

E assistir ao por do sol

Através dos vitrais da Catedral

A civilização bateu em sua porta

Derrubando a Catedral

Do seu coração

A Catedral agora

Só tinha vida

Dentro daquela

Caixa de sapato velha

Fany Caruso
Enviado por Fany Caruso em 08/08/2010
Código do texto: T2425632
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.